O narcotraficante Antonio Francisco Bonfim Lopes, conhecido como Nem, tinha seu habitat na favela da Rocinha, no Rio. Está preso desde 2011 na penitenciária federal de Porto Velho (RO), considerada de segurança máxima. A distância que o separa da Rocinha é de 3,4 mil km. No entanto, de dentro da cadeia ele consegue emitir ordens de comando à sua gangue no Rio.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, declarou após visitar 15 presídios femininos e masculinos: “Se o brasileiro soubesse tudo o que sei seria muito difícil dormir.” Terá coragem de atuar contra os desmandos que constatou?
Em anos de encarceramento político, passei por três presídios comuns: Penitenciária do Estado e Carandiru, na capital paulista, e Penitenciária Regional de Presidente Venceslau (SP), que hoje abriga o comando do PCC. Desde então, fico atento à questão carcerária e, ultimamente, participo de oficinas literárias em presídios.
Por que revistas em cárceres encontram armas, celulares, drogas, dinheiro… e até um menino de 11 anos escondido debaixo da cama de um preso, como ocorreu recentemente no Piauí?
Os presídios brasileiros são como enormes peneiras com amplos buracos. Enumero os mais frequentes:
1.Cumplicidade de agentes penitenciários e funcionários da cadeia. Como a corrupção é universal, existe até na Cúria Romana, a precária qualificação e o baixo salário fazem com que alguns agentes se tornem vulneráveis a propinas e ameaças.
As propinas são pagas por presos ou seus familiares, advogados ou comparsas que atuam do lado de fora. Muitas vezes o agente resiste, mas acaba cedendo quando o preso declina nomes e endereços de seus familiares, sob a ameaça de vitimizá-los caso não lhe seja entregue o que pede. Somente um serviço de inteligência prisional poderia reduzir o poder de vulnerabilidade das intimidações.
- Advogados, médicos e funcionários. Em 2016, 32 advogados do PCC foram presos por favorecer ilegalmente seus clientes encarcerados. A lei garante contato direto do advogado com o preso sem vigilância e gravação da conversa. E advogados, médicos e funcionários não costumam ser revistados ao entrar e sair dos cárceres. Quando há falta de ética por parte desses profissionais eles facilmente se prestam, em troca de dinheiro gordo, a servir de ponte entre a rua e a prisão.
3.Familiares dos presos. Sob chantagem emocional, há familiares que se arriscam a ingressar no presídio com armas, dinheiro, drogas e celulares. Às vezes, acobertados por quem deveria revistá-los.
4.Capelães não costumam ser revistados. E nem sempre resistem às pressões do preso ou de seus comparsas aqui fora. Tornam-se santos de pau oco…
Por que não há bloqueadores de celular na maioria dos presídios? Porque os funcionários e a direção não suportam a ideia de permanecerem ali dentro sem acesso a redes sociais e comunicação com o exterior. Assim, beneficiam o crime.
São também sutis os buracos da peneira. Um exemplo: o diretor da Penitenciária de Presidente Venceslau morava na cidade vizinha de Presidente Prudente. Ao chegar em casa, entregava o carro para ser lavado por um flanelinha ex-presidiário. Este enchia as calotas do veículo com trouxinhas de maconha e papelotes de cocaína, retirados dentro da penitenciária pelos presos que cuidavam dos carros dos funcionários. Ignoro se algum dia o diretor se deu conta de que era um traficante involuntário…
Em meus tempos de Carandiru, havia 5 mil homens amontoados ali dentro e todo tipo de permissividade, de tráfico de drogas a leilões de travestis. Fui reclamar com o diretor, coronel Guedes. Realista, ele retrucou com sinceridade: “Isso aqui é um barril de pólvora. Minha função é retardar a explosão. Por isso só não admito mulher e helicóptero.”
Quando haverá uma reforma do sistema prisional brasileiro?
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.