por Daniela Leão e Valéria Vilhena
Sabemos que o rosto das igrejas evangélicas são mulheres e, em sua maioria, mulheres negras e empobrecidas, marginalizadas pelo sistema. Tal abandono as deixa em situação de vulnerabilidade e consequente situação de exposição às violências, as quais devem ser enfrentadas considerando raça/etnia, devido nossa estrutura histórica de cultura colonizada, de exploração racializada, patriarcal misógina e cristã.
Enquanto cristãs e cristãos, nós bebemos, nos alimentamos, damos seguimento, perpetuamos, reproduzimos e até sacralizamos o patriarcado judaico objetificador e mercador das mulheres, seja pela tradição, escrita, tradução, teologias, pelos dogmas, aconselhamos pastorais, nos cultos… enfim, no nosso dia a dia. Porque a religião está dentro do nosso sistema cultural, fazendo com que nós organizemos nossas vidas como sendo a vontade de Deus.
E trazendo para o campo evangélico, temos que este também é atravessado pelo machismo, o que fica evidenciado porque são mais visibilizados homens evangélicos pela grande mídia. Mas nós estamos aqui, Mulheres Evangélicas pela Igualdade de Gênero falando através de mulheres, com as mulheres, pelas mulheres.
Desde 2015 como movimento social e a partir de 2021 como organização da sociedade civil, a Mulheres EIG atua nas ruas e nas redes, visando promover mobilização e engajamento para o enfrentamento das violências contra meninas, adolescentes e mulheres – cis, trans e travestis. É nosso motivo de existência o enfrentamento às violências contra as mulheres nas perspectivas de gênero, raça e classe social, especialmente nos espaços religiosos e a partir deles.
É diante de fatos concretos que chegam a nós, via monitoramento, análises de conjunturas, reportagens e relatos de experiências do chão da vida que nos indagamos como podemos apresentar e exercitar práticas religiosas e espirituais que sejam laicas, de inclusão e fortalecimento, a fim de que sejam libertadoras para mulheres evangélicas e que de fato promovam transformação social.
É com muita alegria que, em parceria com o Ministério das Mulheres que lançou o desafio permanente de Feminicídio Zero na sociedade brasileira, convidamos todas, todes e todos vocês para a caminhada conjunta rumo à sensibilização e mobilização para o enfrentamento a essa realidade tão dura e violenta contra as mulheres.
Com o mote: “O coração alegre faz bem para o rosto, mas o coração machucado quebra o espírito” (Pv 15,13), essa campanha pretende sensibilizar, orientar e mobilizar lideranças religiosas, pastoras e pastores para que inicie um movimento de transformar a sua igreja em um ambiente seguro para mulheres, adolescentes e meninas.
Mas não só. Nosso trabalho é para que essas igrejas sejam pontos de apoio para mulheres vítimas, a fim de que possam encaminhá-las para os serviços públicos de enfrentamento às violências. Incentivamos as lideranças a procurarem saber se no bairro tem Casa Abrigo, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Serviço de Referência para atendimento às mulheres vítimas de violência sexual (CNES), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Patrulha Maria da Penha (PROVID), Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), Postos da Mulher nas Delegacias comuns, Juizados de Violência Doméstica e Familiar, Promotoria da Mulher, Defensoria da Mulher, enfim, algum equipamento público da rede de apoio à mulher vítima de violência para os desdobramentos necessários.
Prezamos por fortalecer a rede pública de apoio, no sentido de torná-la mais visibilizada, e efetivar o trabalho oferecido no sentido de 1) complementar o limitado atendimento oferecido pelas igrejas a essas mulheres e 2) reconhecer a importância da rede pública no controle das violências.
Nossa atuação e ativismo busca também sensificar o povo crente no sentido de que a herança religiosa judaico/cristã pode sim ser muito violenta contra as mulheres.
Nossa campanha “Deus nos chamou para termos relacionamentos em paz” busca também impactar o povo crente (e não crente também) de que a herança judaico/cristã pode sim ser muito violenta contra as mulheres. Buscamos descortinar as violências religiosas que não sempre são percebidas como tal.
Quando estamos alertas para as formas que a violência pode tomar, passamos a perceber o quanto a espiritualidade pode ser responsável por aumentar ainda mais o sofrimento das mulheres, adolescentes e meninas.
Só para termos um dado nacional, segundo o IPEA, de acordo com os registros de óbitos, 34,5% dos feminicídios (homicídios de mulheres) ocorreram em domicílios, totalizando 1.313 vítimas em 2022. Do total de homicídios de mulheres registrados pelo sistema de saúde, as mulheres negras corresponderam a 66,4% das vítimas.
Entre as mulheres, o domicílio representa o principal tipo de local de ocorrência do homicídio, enquanto entre os homens a maior parte dos casos ocorre na rua ou estrada. Isso demonstra a existência de diferentes dinâmicas de homicídios a depender do gênero da vítima, de forma que as mulheres estão mais sujeitas à violência letal dentro de casa do que nas ruas.
No Direito, em se tratando de controle social, costuma-se dizer que a os ambientes religiosos (chamados templos de qualquer culto) são considerados a longa manus, um alongamento da mão do Estado, pois pode alcançar a intimidade do lar das pessoas, por isso são merecedores de imunidade tributária. Nesse sentido, a Religião é considerada uma das grandes influenciadoras da cultura brasileira. Lembremo-nos que nossa sociedade é composta de 87% de pessoas autodeclaradas cristãs.
Portanto, podemos afirmar sem medo de errar que as igrejas, sinagogas, terreiros, mesquitas, salões, centros etc podem em muito contribuir para a erradicação das violências contra as mulheres na nossa sociedade.
Para isso, no caso de pessoas cristãs, é necessária uma mudança de paradigma. É necessário abandonar o culto a um deus projetado à imagem e semelhança de homens violentos e passar a cultuar um Deus projetado à imagem e semelhança de Jesus de Nazaré quem amou, tratou, curou, acolheu, socorreu, salvou, ressuscitou enfim, dignificou a vida das mulheres discípulas que o seguiam.
Os Evangelhos têm muito a nos ensinar sobre o Deus de amor e seu cuidado para com toda a sua criação.
A proposta das Mulheres EIG é poder apresentar, a partir de uma hermenêutica feminista, o exercício de uma espiritualidade que seja acolhedora e libertadora para as mulheridades, tanto nos espaços religiosos quanto a partir dos espaços religiosos. Precisamos tirar o Brasil do lugar de ser o 5º país no mundo que mais mata mulheres, especialmente mulheres negras e de ser o primeiro país no mundo que mais mata mulheres trans e travestis.
Convidamos todas, todes e todos aqui presentes para, a partir do engajamento nessa campanha, venha exercer conosco uma religiosidade que seja propicie uma sociedade que respeite a laicidade, a democracia, os direitos humanos. Que nossa sociedade esteja livre de toda violência, especialmente a violência de gênero, porque : “O coração alegre faz bem para o rosto, mas o coração machucado quebra o espírito” (Pv 15,13).
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