Papa Francisco
– Discurso em Puerto Maldonado aos povos originários: 19-01-2018
A 19 de janeiro de 2018, no Peru, em Puerto Maldonado, no coração da floresta amazônica, num estádio todo ocupado por delegações de mais de trinta povos indígenas da região, o Papa Francisco deu início à caminhada rumo ao Sínodo da Amazônia.
O local por ele escolhido não foi Roma, mas o Peru, um dos nove países que integram a bacia amazônica. Não foi Lima, a capital do país, mas um vicariato apostólico na selva, para surpresa do jovem bispo local, um missionário espanhol dominicano, David Martínez de Aguirre Guinea, OP. Essa área missionária, criada em 05 de janeiro de 1.900, como Prefeitura Apostólica de Santo Domingo de Urubamba e confiado a frades dominicanos, foi separada da diocese de Cuzco, antiga capital do império incaico, a mais antiga diocese da América do Sul, pois erigida em 1536.
Em 1913, tornou-se o Vicariato Apostólico de Urubamba e Madre de Dios e, finalmente, em 1949, ganhou o nome atual de Vicariato Apostólico de Puerto Maldonado.
Urubamba e Madre de Dios são dois afluentes do Rio Amazonas, cujas águas descem da Cordilheira dos Andes, engrossadas pelo degelo anual da neve que cobre os seus picos elevados.
O Papa Francisco foi recebido no Coliseu Madre de Dios com muita festa e entusiasmo. Deram-lhe um cocar de cacique indígena que ele imediatamente colocou na cabeça, junto ao seu solidéu branco de Papa, com muito orgulho e alegria, como sinal da fraterna caminhada sinodal que estavam solidariamente iniciando. A foto correu mundo e hoje está por todo lado, quando o tema é o Sínodo Panamazônico.
Depois de escutar as saudações e anelos dos povos ali presentes, Francisco a eles se dirigiu, dizendo:
“Vejo que viestes dos diferentes povos originários da Amazónia: Harakbut, Esse-ejas, Matsiguenkas, Yines, Shipibos, Asháninkas, Yaneshas, Kakintes, Nahuas, Yaminahuas, Juni Kuin, Madijá, Manchineris, Kukamas, Kandozi, Quichuas, Huitotos, Shawis, Achuar, Boras, Awajún, Wampis, entre outros. Vejo também que nos acompanham povos originários dos Andes que chegaram à floresta e se fizeram amazónicos. Muito desejei este encontro. Quis começar daqui a visita ao Perú.
Obrigado pela vossa presença e por nos ajudardes a ver mais de perto, nos vossos rostos, o reflexo desta terra. Um rosto plural, duma variedade infinita e duma enorme riqueza biológica, cultural e espiritual. Nós, que não habitamos nestas terras, precisamos da vossa sabedoria e dos vossos conhecimentos para podermos penetrar – sem o destruir – no tesouro que encerra esta região, ouvindo ressoar as palavras do Senhor a Moisés: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3, 5).
Deixai-me dizer mais uma vez: Louvado sejais, Senhor, por esta obra maravilhosa dos povos amazônicos e por toda a biodiversidade que estas terras contêm!”
Acrescentou ainda:
“Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas.
Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais”.
Concluiu com um apelo”
“Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazônicas. E, a propósito, encheu-me de alegria ouvir um dos textos da Laudato si’ ser lido por um diácono permanente da vossa cultura. Ajudai os vossos bispos, ajudai os vossos missionários e as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena. Com este espírito, convoquei um Sínodo para a Amazônia no ano de 2019, cuja primeira reunião do Conselho Pré-Sinodal se realizará, aqui, hoje de tarde.
O Sínodo fora pedido em carta assinada em 2014 pelos Bispos todos da Amazônia brasileira e que recebeu uma resposta concreta do Papa com a sua convocação em 15 de outubro de 2017.
José Oscar Beozzo <jbeozzo@terra.com.br> é historiador e coordenador geral do CESEEP.
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