por Frei Betto
Diziam os gregos antigos que somos como cocheiros de carruagens tentando controlar dois cavalos, o da razão e o da paixão. Cada um puxa para um lado. O cocheiro procura manter o equilíbrio entre eles.
As decisões que envolvem a emoção são mais difíceis de serem tomadas do que as que envolvem apenas a razão. A neurociência explica. Na decisão racional, o cérebro ativa os córtices pré-frontal dorsolateral, pré-frontal ventrolateral e o parietal. Na emocional, se estabelece uma intrincada conexão entre os córtices cingulado anterior, pré-frontal medial, orbitofrontal, a amídala e o tronco encefálico.
A guerra, por exemplo, suscita comoção. Por isso, durante a do Vietnã, a Casa Branca perdia prestígio a cada novo caixão desembarcado nos EUA. Utilizou-se, então, a UTI para prolongar ao máximo a agonia dos pacientes, de modo a não morrerem antes de tocar o solo pátrio. Assim não eram contabilizados como mortos em território inimigo.
Mais tarde, na guerra do Iraque, Bush tomou uma posição mais drástica. Para evitar comoção na opinião pública proibiu que os caixões fossem vistos pela mídia. Assim, o número de soldados usamericanos mortos se resumia a uma fria estatística.
A tensão entre o racional e o emocional é perfeitamente manifestada quando se trata de nossas próprias decisões. Um diretor de empresa reduz o número de empregados ao assinar-lhes a demissão, a fim de poupar custos. Porém, se um dos empregados é seu afilhado pode ser que, por isso, não seja cortado.
O envolvimento emocional provoca o nepotismo. O político emprega na máquina pública parentes, amantes e amigos, não por terem competência, e sim por estarem emocionalmente vinculados a ele.
Hoje, o poder já não se empenha em evitar a violência, da qual tem o monopólio legal. Procura apenas aplacar o impacto emocional das decisões que induzem à violência. Usa drones para assassinar supostos terroristas no Afeganistão e na Somália e, assim, poupa soldados que poderiam morrer no enfrentamento com o inimigo.
O mesmo raciocínio lógico, frio e implacável induziu a Casa Branca a promover, sem a menor dose de culpa, o maior atentado terrorista de todos os tempos: as bombas atômicas que, em 1945, dizimaram Hiroshima e Nagasaki. Nenhum dos envolvidos na monstruosa decisão tinha parentes ou conhecidos naquelas cidades japonesas, o que tornou tudo mais fácil.
Para nós, que comemos além do que devemos e necessitamos, as estatísticas do número de famintos no mundo são apenas dados frios no noticiário. Não temos parentes que passam fome e jamais vimos a mãe de crianças raquíticas oferecer aos filhos lagartos e insetos.
É essa cultura “clean”, fria, que o neoliberalismo tenta nos incutir para ficarmos insensíveis aos dramas alheios e centrados no próprio umbigo. Cabe à educação associar razão e paixão, e suscitar empatia e solidariedade. O mundo virtual não pode ser a nossa caverna de refúgio e omissão. É preciso quebrar as suas fronteiras e mergulhar no mundo real, única forma de assegurar a nossa sensibilidade a tudo que é humano e às dádivas da natureza.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.