A solenidade litúrgica do Sagrado Coração de Jesus nos conduz, juntamente com a Papa Francisco, em uma dupla direção. De um lado, estamos em pleno Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo Pontífice na Basílica São Pedro, Roma, no dia 13 de março de 2015. O Jubileu Extraordinário da Misericórdia teve seu início em 8 de dezembro de 2015, festa da Imaculada Conceição de Maria e 50º aniversário do encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II, e terminará a 20 de novembro de 2016, na festa de Cristo Rei, último dia do ano litúrgico.
De outro lado, emerge com redobrada força, o desafio dos migrantes, prófugos e refugiados. Desde a inauguração de seu pontificado, o Santo Padre tem revelado uma particular solicitude pastoral para com a temática da mobilidade humana. Basta lembrar seus inúmeros apelos a respeito, mas, de forma mais concreta, suas visitas à ilha italiana de Lampedusa, à ilha grega de Lesbos e à fronteira entre México e Estadios Unidos – todos pontos nevrálgicos no drama dos que são obrigados a deixar a pátria. Lugares onde tantos sonhos se convertem em pesadelos!
Desnecessário lembrar que ambos os temas se tocam, se cruzam e se entrelaçam. Por parte do Jubileu Extraordinário, é o próprio Papa a nos explicar o termo misericórdia. Trata-se, segundo ele, da combinação de duas palavras latinas: cors (coração) e miseri (miséria). Concretamente, um coração voltado para os pobres e que não hesita em abraçar a miséria humana em todas as suas formas e dimensões. Em termos teológicos e pastorais, o coração do Pai (=Abba) ama e acolhe a todos, mas tem uma predileção especial para com aqueles cuja vida se encontra mais ameaçada.
Entram em cena, então, os migrantes, prófugos e refugiados. “Não constituem um perigo” – disse recentemente o Pastor de Roma – “mas estão em perigo”. Poderíamos acrescentar: não são um problema, mas uma oportunidade de encontro, diálogo e intercâmbio. Oportunidade para um recíproco enriquecimento de povos, culturas e valores. Ou ainda: não são uma ameaça, mas vivem diariamente sob o estigma de riscos e ameaças constantes, que se traduzem em leis restritivas, vigilância reforçada, muros que separam fronteiras, perseguição de grupos e/ou partidos ligados aos setores conservadores da sociedade. Daí o duplo convite do Papapa Francisco: construir pontes em lugar de muros, passar da “cultura da indiferença à “cultura da solidariedade”.
Mas é sobretudo no Sagrado Coração de Jesus que os dois temas se fundem, se reforçam e mutuamente se complementam. Aliás, é conhecida, ampla e notória a devoção popular ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria. De onde vem esse olhar cheio de fé, de entrega e de esperança? Não e necessário muito estudo e nem muitos títulos para dar-se conta que à Casa do Pai somente se chega através da sensibilidade da Mãe e do amor infinito do Filho. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” – eis uma das frases evangélicas que mais ouvimos e repetimos.
Se isso vale para os cristãos em geral, terá muito mais validade para aqueles que, tangidos pela pobreza e a fome, pela guerra e a violência, tiveram de deixar para trás o próprio solo natal, a família e os amigos. Com os pés no chão e os olhos no horizonte buscam a duras penas uma terra que possa lhes garantir não só a sobrevivência, mas a “vida em plenitude”. De fato, “para os migrantes, a pátria é a terra que lhes dá o pão”, dizia Scalabrini. É dessa forma que, sós, órfãos e perdidos, encontram no Sagrado Coração de Jesus e de Maria um refúgio, um abrigo, um lar aconchegante, um olhar de compaixão e misericórdia. De um ponto de vista cristão, poder-se-ia dizer que o coração de Jesus e de Maria representam para os migrantes, prófugos e refugiados a pátria de quem está a caminho, a pátria dos que, após cruzar e recruzar fronteiras cerradas, terras inóspitas e rostos impenetráveis, seguem em direção a um futuro incerto, sem casa e sem pátria.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma 3 de junho de 2016