Em todo o Brasil, já se respira o clima do Carnaval. Em
algumas capitais do Nordeste e do litoral, a festa começou há vários dias
e se prolonga por outros. Muita gente espera o ano inteiro por esses dias.
Outros aproveitam para descansar ou viver alguma experiência
alternativa. Grupos contrários à folia fazem encontros paralelos. Grupos
de tradição católica fazem o que chamam de “Cristoval”, ou “carnaval de
jovens cristãos”. Evangélicos e pentecostais fazem acampamentos de
juventude. Essa diversidade é positiva. Só devemos tomar cuidado para
não dar a impressão de que Deus está conosco e não com os outros.
Helder Camara, então arcebispo de Olinda e Recife: “Carnaval é a alegria
popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a
minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais
diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou
farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais
santo por não brincar o carnaval. Estive recordando sambas e frevos, do
disco do Baile da Saudade: ô jardineira por que estas tão triste? Mas o
que foi que aconteceu….Tú és muito mais bonita que a camélia que
morreu… Brinque meu povo querido! É verdade que quarta-feira a luta
recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura
da vida!” (crônica de 01/ 02/1975 no programa “Um olhar sobre a
cidade”- Rádio Olinda – AM).
Aliás, já tinha mudado antes. O Carnaval surgiu em tempos de cultura
religiosa, quando as pessoas brincavam três dias para depois entrar na
penitência da Quaresma. Atualmente, o Carnaval se torna um intervalo
em meio a um ano de trabalho. É verdade que até as festas populares se
tornaram comerciais. No entanto, vários filósofos atuais mostram como,
para um mundo doente, o remédio mais eficaz é a “Ética da
Convivência”. Muitas vezes, a delicadeza é vista como sinal de
insegurança ou fraqueza. Por isso, é importante insistirem relações
humanas baseadas na gentileza e na ternura, como algo belo e humano. A
maioria dos meios de comunicação de massa tem a tendência de
apresentar o outro, principalmente o desconhecido, como ameaça e perigo
à segurança. Nesse contexto, brincar juntos nas ruas com conhecidos e
desconhecidos é profecia de outro modo de organizar o mundo. Nesses
dias, em várias cidades do Brasil e do mundo, é isso que as pessoas
fazem. Sem dúvida, é preciso evitar excessos que ocorrem, tanto no plano
do abuso de bebidas, uso de drogas, banalização do sexo e
Em 1975, em uma crônica de rádio, assim se expressava Dom
É verdade que daquele tempo para cá, o mundo mudou muito.
instrumentalização do outro e mesmo da violência que ocorre em
qualquer manifestação de grande massa. No entanto, no ano passado, um
sociólogo europeu, depois de ver nas ruas do centro do Recife dois
milhões de pessoas brincando e pulando ao sol do Galo da Madrugada
quis saber da polícia qual a estatística de violência, roubos e problemas
ocorridos na ocasião. Voltou à sua terra e escreveu um artigo dizendo:
Não poderia imaginar em Paris ou em Berlim tal manifestação de massa
com tão poucas violações da lei e da paz. No Carnaval de uma capital
nordestina, se constataram menos problemas sociais do que em uma noite
de ano novo na praia de Copacabana.
aponta que é possível sentir prazer em se estar juntos. A cada ano, em
Campina Grande, PB, se reúnem pessoas de todo o Brasil e ligadas às
mais diversas tradições espirituais, para mais um “Encontro da Nova
Consciência”. É um encontro que começa na noite da sexta feira antes do
Carnaval e se encerra na noite da terça. Ali se encontram de várias
religiões, índios nordestinos na defesa de suas culturas, ecologistas e
pessoas interessadas na medicina natural. Muitas das iniciativas têm em
comum a dança e o prazer de se estar juntos. Ali se ensaia um jeito de
viver, alternativo aos dogmas da produção, consumo e competição. No
domingo à tarde, todos/as são convidados/as a uma marcha e ato
interreligioso pela Paz. Nesse ano, o encontro terá como tema:
“Civilização ou Barbárie: suas ações vão definir o futuro do planeta”.
incentivar um convívio amoroso da humanidade para testemunhar que
somos todos irmãos e irmãs de uma única humanidade. A Bíblia tem um
salmo que canta: “Como é bom e suave os irmãos viverem – conviverem
Seja como for, pelo seu caráter de festa de rua, o Carnaval
Na sociedade atual, as tradições religiosas têm a função de
incentivar um convívio amoroso da humanidade para testemunhar que
somos todos irmãos e irmãs de uma única humanidade. A Bíblia tem um
salmo que canta: “Como é bom e suave os irmãos viverem – conviverem
em harmonia” (Sl 132).
Marcelo Barros é monge beneditino