Nesse domingo, 27, se encerrou no Vaticano a assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Durante três semanas quase 200 bispos católicos do mundo todo, dos quais mais de cem vindos da região amazônica, escutaram representantes de povos indígenas e dialogaram com missionários e missionárias que vivem na região. Ouviram peritos/as e conversaram sobre os grandes desafios que a terra e os povos da Amazônia enfrentam. A região pan-amazônica, com seus oito milhões de quilômetros quadrados, situados em nove países da América do Sul, foi o assunto principal em Roma e em toda a Igreja Católica no mundo. A partir disso, o Sínodo teve como tema: A Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia integral.
Foi a primeira vez em que, oficialmente, a Igreja Católica assumiu como missão a tarefa de escutar e principalmente ouvir positivamente e valorizar a realidade e as culturas ancestrais dos povos indígenas, principalmente sua sabedoria religiosa. Até agora, alguns setores católicos veem as tradições religiosas indígenas e afrodescendentes como idolátricas e nocivas. Desde que, há dois anos, esse sínodo começou a ser preparado, os bispos e missionários/as que conduziram a consulta prévia às comunidades descobriram e afirmaram que as culturas indígenas representam uma expressão da relação harmoniosa entre o Deus criador, os seres humanos e a natureza. Descobriram também que o Capitalismo e o tipo de desenvolvimento que as empresas e governos trouxeram à região tem rompido com esse equilíbrio religioso e ecológico. Principalmente, o extrativismo praticado pelas grandes multinacionais mineradoras e a pressão dos grandes interesses econômicos com madeireiras e o latifúndio destroem a floresta, poluem os rios e ameaçam o futuro da vida no planeta Terra. Põem também em risco a vida e a segurança de milhões de pessoas humanas.
Durante séculos, de forma consciente ou ingênua, a Igreja Católica e outras Igrejas colaboraram com as diversas formas de colonialismo. Por isso, o Cristianismo têm uma dívida histórica e moral com os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes. Desde a segunda metade do século XX, tanto a Igreja Católica, como as Igrejas evangélicas, ligadas ao Conselho Mundial de Igrejas, têm procurado defender os direitos dos povos originários e concebem a missão cristã como diálogo e respeito às culturas diferentes e não como conquista e imposição de crenças. Agora, esse Sínodo veio completar esse caminho e tirar as consequências dessa postura de parceria e comunhão com os povos originários e com a mãe Terra.
No domingo, 20 de outubro, muitos bispos da Amazônia celebraram juntos e assinaram um novo Pacto das Catacumbas, documento no qual se comprometeram em se inserir como irmãos na caminhada dos povos amazonenses e na defesa da Amazônia e da Terra, nossa casa comum.
Assim as Igrejas continuam a missão de Jesus. Ele, enviado do Pai ao mundo, se fez carne, isso é, assumiu a realidade humana em tudo, menos no pecado, isso é, no que é opressão humana e desamor. Não pregou sobre si mesmo e sim sobre o projeto divino no mundo. Ensinou aos discípulos o respeito ao diferente e o diálogo. Como têm afirmado nossos bispos: a fé se propaga por atração, ou seja, por sua força de encantar e não por qualquer imposição ou propaganda.
Nesses dias, as conclusões do Sínodo e as propostas dos bispos reunidos em Roma foram entregues ao papa. Também passaram às mãos do papa Francisco, as milhares de respostas dadas pelas comunidades amazonenses consultadas sobre os desafios da vida na Amazônia e a missão da Igreja. Com esse material, depois de orar, oportunamente, o papa Francisco vai dirigir ao mundo uma exortação pós-sinodal sobre o cuidado com a Amazônia e a missão da Igreja com relação à Ecologia Integral.
Enquanto isso, na região amazônica e em toda a América Latina, esse Sínodo vai continuar através de um processo de diálogo e de construção juntos de uma missão profética que consiste em escutar o diferente, acolher as diversas tradições das comunidades e junto com elas irmos construindo o projeto divino da justiça e da paz no mundo. Como afirmava o papa Francisco, sínodo significa “caminhar juntos”. Em todas as dioceses e paróquias, temos de viver um processo sinodal permanente. Esse deve ser o jeito normal da Igreja ser e cumprir sua missão.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.