No Brasil, agosto é mesmo o mês do desgosto. Em agosto de 1954, Getúlio Vargas, escorraçado do poder por pressão da Aeronáutica, disparou uma bala contra o próprio coração e saiu “da vida para entrar na história”, como registrou na carta-testamento.
Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à presidência da República na esperança de voltar ao poder nos braços do povo, e de costas para a democracia.
Agora, em agosto de 2016, Dilma Rousseff foi afastada da presidência da República por decisão dos 61 senadores que se prestaram a consumar o golpe que permite ao vice, Michel Temer, assumir usurpadoramente o comando do país.
Não me espanta a decisão do Senado nem as infundadas alegações de que Dilma teria cometido crime de responsabilidade fiscal. O que me surpreende é a apatia de um povo beneficiado pelos 13 anos de governo do PT.
Onde estão os 45 milhões de brasileiros que, graças aos programas sociais, se libertaram da miséria? Onde estão os trabalhadores que, anualmente, tiveram seus salários atualizados acima da inflação? Onde os jovens que chegaram ao ensino superior graças ao Enem, ao Fies, ao sistema de cotas?
Fora algumas manifestações pontuais nas grandes cidades do país, não houve reação popular ao golpe parlamentar. Como não houve ao golpe militar dos idos de abril de 1964.
Nós erramos. Não demos consistência política aos programas sociais. Ensinamos a pescar, não a pensar. Os bens materiais que erradicaram a miséria não vieram acompanhados de bens simbólicos que suprimissem a indigência da consciência. A fome de pão foi saciada, não a de beleza.
O PT nasceu com o propósito de “organizar a classe trabalhadora”. Chegou ao poder graças aos movimentos sociais. Mas não soube valorizar o que lhe daria sustentabilidade política. Não houve estratégia para desarticular os atuais protagonistas do golpe.
Acreditou nas alianças com os inimigos de classe. Fez demasiadas concessões a quem tinha por objetivo desbancar o PT e retomar o controle da máquina do Estado. Trocou a estratégia por meras conquistas eleitorais.Abriu mão do projeto histórico por meras táticas de acomodação no governo. Manter-se no poder, ainda que à custa de pactos espúrios, ganhou mais importância do que alterar as estruturas arcaicas da sociedade brasileira. Treze anos de governo e nenhuma reforma, nem a agrária, a trabalhista ou a tributária. Hoje, o PT é vítima da omissão de reforma política.
Apenas 61 brasileiros anularam os votos de mais de 54 milhões de eleitores! Agora nos resta o desafio de restaurar a democracia no Brasil. Porém, para isso não basta disputar eleições com as forças retrógradas e golpistas. É preciso organizar a esperança. Fortalecer os movimentos sociais. Dar consistência política ao projeto histórico. Reativar a militância.
Não se trata apenas de derrubar os golpistas. E sim de mudar a gramática do poder para a democracia deixar de ser uma falácia que ilude aos que nela não enxergam a ditadura do capital.
Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.