CARTA DO XVIII CURSO DE VERÃO NA TERRA DO SOL: ENCARNAÇÃO DE UMA ESPIRITUALIDADE PROFÉTICA E MILITANTE
NO BRASIL DO PRESENTE
No período de 09 a 14 de julho de 2018, em Fortaleza-CE, vindos e vindas de várias partes do Brasil, e de diferentes Comunidades Religiosas, vivenciamos o Curso de Verão na Terra do Sol, com a temática: “Na brisa leve do Espírito, como abrir caminhos para alcançar o Bem-Viver: desafios para uma espiritualidade profética”. Este ano, conseguimos reunir, em nosso mutirão, mais de cem pessoas, incluindo cursistas, oficineiras e oficineiros, assessoras e assessores, artistas da caminhada, equipe de infraestrutura, convidadas e convidados que buscaram participar de determinadas palestras e reflexões.
Para trabalhar esta temática, assumimos, como inspiração bíblica, a experiência do profeta Elias, na (re)descoberta de Deus em situação absolutamente nova para ele: “…um murmúrio de uma brisa suave…”. Assim, Elias encontra uma nova forma de viver a Profecia, a superar as formas tradicionais de uma profecia de dominação, de castigo, de vingança. Nesta experiência, Elias consegue (re)ver a sua visão de Deus e (re)ver a sua compreensão do mundo e da sua missão como profeta.
Esta experiência de Elias nos conclama a (re)descobrir e fortalecer uma espiritualidade profética, em fidelidade ao projeto de Deus no mundo em que vivemos. É este o grande desafio do nosso tempo, que nos coloca frente a duas lógicas radicalmente distintas, com modos diferentes de vida:
– A lógica capitalista do “viver bem”, no meio do individualismo exacerbado, ao consumismo sem limites, à permanente dominação;
– A lógica do “ Bem-Viver”, na perspectiva da justiça, da solidariedade e da libertação, vivenciadas coletivamente.
O Bem-Viver é uma forma concreta de se contrapor a esta lógica capitalista que destrói, que subjuga e que mata. E, uma das expressões maiores do Bem-Viver está enraizada no modo de vida indígena, em perfeita harmonia das pessoas com a natureza, no desenvolvimento de um modo de vida coletivo que nega a acumulação e a mercantilização de todos os bens. É uma forma de viver que se funda na sabedoria dos ancestrais, materializada na memória dos idosos e idosas que garantem a força da identidade coletiva. Hoje, o Bem-Viver indígena confronta com os males do capital, sem negar o acesso a bens e serviços comuns. Casé Angatu Tupinambá, em sua profecia, afirma: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou”.
No Brasil, nos últimos dois anos, nos processos do golpe 2016, vivemos uma sociedade dilacerada, com fortes apartações e profundas desigualdades, regida por um capitalismo selvagem, com um Estado submetido às exigências do capital internacional. É um Estado que vem dilapidando o País, sacrificando a soberania nacional, tendo em vigor um modelo econômico voltado inteiramente para os interesses do capital financeiro, do agronegócio e da mineração. Trata-se do modelo rentista neo-extrativista, fundado na superexploração dos trabalhadores e trabalhadoras e no desmonte de direitos, atingindo fortemente a população pobre. É a perversa guerra dos ricos contra os pobres.
De fato, vivemos no Brasil, uma sociedade do mal-estar, com recorrentes violências do Estado com os empobrecidos. São tragédias cotidianas frente à indiferença da maioria da sociedade, atingindo sobretudo jovens que habitam as margens, negros e negras, e pobres. É uma sociedade de morte, radicalmente contrária ao projeto de vida plena de Deus, de fraternidade, de solidariedade, de amor sem fim e sem faltas.
Neste mundo da barbárie, nossa missão profética é viver a esperança, tendo, como horizonte, a utopia do Bem-Viver, como um outro modo possível de vida que nos faz caminhar todos os dias, acreditando que podemos e estamos transformando este mundo. É uma tarefa de coragem, de luta, de vigilância crítica, de paciência evangélica, de compromisso político. É a paz nos combates cotidianos para construir este projeto do Bem-Viver, exercendo concretamente a “cultura da recusa”.
Nesta perspectiva, três dimensões são essenciais: Espiritualidade Ecológica, Ecumenismo, Militância encarnada. É esta uma diretriz de luta que se faz encarnação do Bem-Viver, do Reino de Deus entre nós. Assim sendo, nós, participantes do Curso de Verão na Terra do Sol – 2018, assumimos como compromissos, na vivência da espiritualidade profética:
- Cultivar a mística do encontro e da Esperança, sendo espaço para que as pessoas possam se manifestar nos diversos tipos de linguagens;
- Ter um olhar consciente sobre o Planeta, reconhecendo a Natureza como sagrada;
- Ressignificar nossas atitudes diante da realidade, construindo um mundo possível para o Bem-Viver de toda a humanidade;
- Ter coragem e atitude para resistir ao mundo capitalista que nos impõe uma visão contrária ao projeto de Deus;
- Resistir e insistir no desenvolvimento de práticas cotidianas do cuidado consigo mesmo e com os outros;
- Ressignificar o contato com as pessoas através da conversa, da visita, da escuta e do diálogo;
- Fortalecer as “redes sociais” humanas, promovendo atividades que promovam o contato com o outro, através de roda de conversa e dinâmicas de interação;
- Respeitar nossas memórias, valorizando a sabedoria dos antepassados, para resgatar nossas raízes;
- Respeitar o sagrado que está na outra e no outro, fortalecendo o diálogo com o diferente, apreendendo a trabalhar as relações;
- Respeitar as diversidades, sejam elas raciais, religiosas ou no plano da sexualidade;
- Buscar melhorar a relação com a família e a integração com a comunidade;
- Desenvolver compromissos com as juventudes que vivem nas periferias, buscando contribuir para a sua autonomia e autoestima;
- Procurar conhecer experiências exitosas do Bem-Viver, partilhando vivências com as pessoas;
- Viver a esperança nas relações interpessoais, comunitárias, e na militância política;
- Desenvolver “Upcycling” (ressignificação de roupas), como forma de resistência ao consumismo de roupas, que compromete os recursos naturais;
- Vivenciar momentos que possam nos colocar diretamente inseridos na Natureza, despertando assim um olhar mais cuidadoso com a mesma.
Fortaleza, 14 de julho de 2018