Sempre houve corrupção no Brasil. No século XVII, Padre Vieira já dizia, no Sermão do bom ladrão, que “os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças, roubam cidades e reinos.”
Neste país, acrescentava o jesuíta, se furta pelos modos indicativo, imperativo, mandativo, optativo, conjuntivo, permissivo e infinitivo. “Finalmente, nos mesmos tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, mais que perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse.”
As novidades são a atual punição de corruptos e corruptores; a devolução aos cofres públicos de parte das fortunas roubadas; e a tortura psicológica imposta pela delação premiada: quem se cala fica atrás das grades e cumpre integralmente a pena. Quem delata, ganha redução da sentença, prisão domiciliar e, de quebra, tornozeleira eletrônica.
Será que a Lava Jato paira acima de qualquer suspeita sob o comando de nosso Zorro, o juiz Sérgio Moro? Aliás, os dois personagens têm predileção por se vestir de preto.
Por que há vazamentos seletivos? Quem os faz? Leva grana por isso? Por que os vazamentos jamais são descobertos e punidos?
Suponho que os vazamentos seletivos acontecem como forma de pressão por parte dos operadores da Lava Jato. Porém, são ilegais. O pior é que se tenta esconder outras irregularidades cometidas por policiais federais que, não satisfeitos com a impunidade, querem calar quem os denuncia. Foi o que ocorreu com a censura imposta ao blog do jornalista Marcelo Auler, através de duas ações judiciais promovidas por delegados federais. Um dos processos foi extinto; outro permanece até que ele retire do blog duas reportagens. Cadê a liberdade de expressão?
O PT governava o Brasil. Embora seja o PP o partido que tem mais envolvidos na Lava Jato, enquanto Lula e Dilma estiveram na presidência o foco das investigações e suspeitas recaíam sobre o PT. Lula inclusive chegou a ser praticamente arrastado ao aeroporto de Congonhas sob a coação coercitiva decretada pelo juiz Sérgio Moro e, em seguida, criticada pelo STF.
Logo que o PMDB, com Temer, passou a governar o Brasil, o foco recaiu sobre os seus principais líderes: Sarney, Renan, Cunha, Jucá. Nem o próprio Temer escapou.
Será que há um jogo de cartas marcadas por trás da Lava Jato? Uma estratégia de “limpar a área” para abrir caminho para outras forças políticas? Ou de fato se trata de rigoroso cumprimento das leis e preconização da ética na política?
Desmontar a corrupção endêmica no Brasil não é tarefa fácil. É bom prestar atenção a estas palavras do jornalista inglês Patrick Cockburn: “O governo não pode reformar o sistema porque estaria atingindo o próprio mecanismo por meio do qual governa.”
Talvez isso explique porque já não se fala em reforma política.
Frei Betto é escritor, autor de “Fidel e a religião” (Fontanar), entre outros livros.