“Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa” (Êxodo 3,5).
Quando chegamos ao “Curso Latino-Americano de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso”, oferecido pelo CESEEP, sabíamos do alegre desafio que nos esperava. Reconhecendo onde e como estávamos, não apenas naquele momento, mas em nossa experiência pessoal de vida, iniciamos a jornada de quinze dias cientes do desafio de lidar com a alteridade, de vivenciar diferenças religiosas e aprender com as experiências das outras pessoas e estar em seus espaços, em suas casas.
Conhecendo novos amigos, nos deparando com reflexões e textos desafiadores, fomos chamados a seguir ao encontro das experiências e vivências de fé das outras pessoas e a vivenciar ambientes repletos e pautados pela diferença. A alteridade sempre se fez presente, revelando a importância da abertura, do acolhimento e de seguir para este encontro com humildade e sem de nossas certezas e de nossas verdades.
No decorrer dos dias o convite se intensificava e revelava a importância de ouvir, ler e compartilhar estas diferentes expressões do sagrado e de novos conceitos religiosos, mas sobretudo com o convite de ingressar e estar no Terreiro da Umbanda, no Ilê do Candomblé, na Opy Mbya Guarani, na Sinagoga e na Mesquita: vivenciar espaços sagrados que não são nossos.
Diante destes convites, acolhendo as pessoas e suas diferentes expressões de fé, compreendemos que para aceitar o convite e ingressar nestes espaços sagrados precisávamos tirar nossas sandálias: descalçando-nos de nosso conhecimento e despindo-nos de nossas verdades, pudemos adentrar e estar ali livres para acolher não apenas as pessoas, mas sobretudo seus espaços e suas experiências de fé e aqueles momentos de vivência de fé, repletos de solidariedade, acolhimento e mensagens de paz: vivenciar naqueles locais a presença e a expressão do sagrado.
Estas visitas e a presença neste diferentes lares, ao lado das trocas e reflexões oferecidas, mostraram-se importantes momentos de desconstrução e de reconstrução pessoal, às vezes mais suaves, outras, mais intensas. Mais do que simplesmente escutar as diferenças, o desafio oferecido era de ouvir e acolher a diversidade religiosa, suas diferenças e seus ambientes e lares sagrados.
Enquanto pessoas de fé cristã, fomos chamados a aprender a importância da vivência do pluralismo religioso inclusivo, onde se “reconhece e acolhe o pluralismo de princípio, entendido como realidade e vontade de Deus para que Ele se revele através da diversidade de culturas religiões, reconhecendo a unicidade de jesus Cristo como revelação do amor de Deus para com a criação e a humanidade e o ‘valor intrínseco’ das outras religiões quanto vias misteriosas de salvação” [1].
Mais do que entender as diferenças que se revelavam nas outras pessoas, no Outro, experimentamos que a alteridade no diálogo inter-religioso não se trata de uma escolha, nem de uma alternativa: é a proposta cristã de acolher incondicionalmente, acolher a todas as pessoas e amá-las como a nós mesmos (Mt 22:39). Neste acolher, somos chamados a ir até o Outro, seu território, seu lar, mas antes convocados a tirar nossas sandálias e nos aproximar e a lá ingressar com os pés descalços. Nesses encontros, fora ou dentro de seus espaços sagrados, sejam eles terreiros, ilês, igrejas, sinagogas, mesquitas, opys ou outros lares sagrados, descalçando nossas sandálias, com humildade e abertura, somos chamados a acolher a todas as pessoas com suas diversas experiências de fé, suas manifestações e expressões.
Nestes dias, aprendendo, vivendo e indo ao encontro, praticamos o diálogo inter-religioso, aprendemos e fizemos o exercício de humildade, respeito e de acolhimento, consolidando esses momentos como oportunidades para fortalecimento, renovação e reconstrução pessoal.
Vivenciamos nestes dias um chamado à responsabilidade pelo outro neste movimento de encontro, de ir até a casa do outro, com humildade e abertura, a “força do Espírito convida-nos para um vivência de uma espiritualidade peregrina, que aponta-nos (como um êxtase) para o encontro d@s outr@s, o encontro com a criação, numa integração centrada na vida, em suas maravilhas e angústias. É uma vivência de espiritualidade com um salto que toca o corpo d@ outr@ e finca os nosso pés na terra-comum onde vivemos” [2].
No diálogo e na abertura à diversidade religiosa e ao Outro, a todos os outros, sem realizar escolhas, testemunhamos a fé acolhedora de Jesus e, independentemente de crenças e denominações religiosas, podemos nos unir em sua proposta de Justiça, de Paz e de Amor entre todas as pessoas, seguindo como servidores do Evangelho, tendo como alerta que “nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7:21).
Com humildade e em união, junto a todas as pessoas que se colocam a serviço daqueles que mais precisam, podemos apresentar com mais intensidade o Reino anunciado por Jesus, onde reine o amor, a solidariedade e a justiça, tendo como exemplo o ato da partilha realizada pelas primeiras comunidades cristãs (Atos 2:44-45) e de sua insistência diante do povo que passava fome: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.
José Jorge Guedes de Camargo, com Licenciatura e Mestrado em Filosofia e com formação em Teologia pela PUC-Campinas. É advogado e residente em Santa Bárbara d’Oeste/SP. josejorgeguedes@gmail.com – agosto de 2023
[1] Referência à proposta do teólogo jesuíta Jacques Dupuis, trazida e apresentada pelo teólogo DANIEL SOUZA SANTOS, que encontrei e conheci também naqueles dias, em seu obra “Cristologia na Encruzilhada, Possibilidades de Cristologia Pluralista da Libertação a Partir de J. Dupuis e J. Sobrino”, Editora Reflexão, 2016, São Paulo, p. 84.
[2] op. cit, p. 153.