Quando se vive uma situação de crise como a que o Brasil atravessa, a tendência mais geral e presente é mergulhar de cabeça no aceso dos conflitos e deixar as emoções aflorarem sem censura ou reflexão. É assim que temos presenciado comportamentos e atitudes que nos surpreendem.
Nas manifestações que se esperava ordeiras, percebe-se sempre mais excitação, descontrole, agressividade e mesmo ódio. Os discursos, quando os há, as posições frente aos outros, as coisas, as instituições e inclusive aos edifícios de domínio publico ultrapassam todo bom senso e educação, resultando em quebradeira, gritaria, palavras de baixo calão.
Mas não só nos atos públicos acontece tal coisa. Também nas relações mais íntimas e pessoais.
A mim surpreende muito que alguns briguem sonora e abertamente via facebook ou quaisquer redes sociais. O que é isso, meu Deus? Não se pode tolerar uma posição diferente, uma opinião diversa? Parece que é difícil. Aos que discordam, o bloqueio da comunicação. Só a minha opinião pode circular, não a deles e delas.
Mesmo aqueles (e aquelas) que são pessoas públicas e, portanto, olhadas com mais atenção pela mídia e pelo cidadão comum, parecem extrapolar toda e qualquer razoabilidade em atitudes excitadas e destemperadas. Temos presenciado recentemente isso acontecer em sessões da Câmara, entre deputados com mandato parlamentar. E no espaço público, por parte de juristas maiores ou menores, políticos, ex-presidentes, atuais governadores, prefeitos etc.
A lista seria longa. O que importa é refletir sobre os fatos sem personalizar. Tudo que apaixona e exalta o ser humano pode ser extremamente positivo, mas não pode fugir ao controle da razão e do bom senso, e aflorar apenas enquanto emoção descontrolada. A política e a religião sempre foram propostas que apaixonaram os que nelas se engajaram de corpo e alma. E por isso trago-as aqui como tema de reflexão.
A situação da política hoje no Brasil já se encontra mais ou menos descrita acima. Creio que não necessito alongar-me, pois todos a experimentamos em nosso cotidiano, de uma ou outra maneira, sob um ou outro ângulo específico. Quanto à religião, parece que não é diferente.
Já nos primórdios do Cristianismo, o grande Paulo de Tarso, com seu conhecido zelo e ardor pelas comunidades que fundava, começou a preocupar-se seriamente com uma delas, talvez das mais queridas – a comunidade de Corinto.
E a razão era que o entusiasmo pelos dons barulhentos e ruidosos daqueles que falavam em línguas e recebiam graças extraordinárias estava prejudicando a caridade. Preocupados em salvaguardar, visibilizar e fazer prevalecer o dom recebido, alguns que deviam ser lideres e testemunhas mais qualificadas, acabavam por escandalizar e dividir a comunidade.
Paulo sentiu-se obrigado a intervir. E fez então uma bela reflexão sobre a necessidade de discernir os espíritos. No capítulo 12 da primeira Carta aos Coríntios, diz: Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum.
O apóstolo percebeu que as emoções desenfreadas podem prejudicar seriamente o bem comum, ou seja, o crescimento da comunidade, da sociedade, da humanidade. Quando aqueles que devem liderar por palavra e exemplo deixam-se levar por emoções descontroladas e perdem a compostura, o bem comum fica seriamente ameaçado. Porque, como sabemos todos, a exaltação e excitação, o frenesi, a agitação a todo vapor não são boas conselheiras e não contribuem para o bem.
Antes polarizam o afetivo pessoal ou comunitário, impedindo um discernimento ponderado e a busca sincera da verdade dos princípios e dos fatos. Não se chega a lugar nenhum com insultos, mentiras, inverdades, gritos e conclamação à cólera. Tampouco com euforias excessivas e exteriorizações imoderadas. Não é assim que se avança no conhecimento e na visão do que deve ser feito.
É por isso que Paulo disse a seus irmãos na mesma Carta aos Coríntios, capítulo 14: Prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros a falar dez mil palavras em línguas. O objetivo deve ser sempre o bem comum. A comunidade – a sociedade, o país, a nação – não pode caminhar em direção a um projeto grande e justo se não entender o que está acontecendo.
Não há de ser com o bombardeamento sistemático feito pela mídia, com as performances exacerbadas e assustadoras de alguns líderes e a incitação à violência que se poderá ter uma visão adequada das coisas para, com liberdade, tomar uma posição.
É tempo, pois, de discernir, de provar os espíritos, para ver se são do bem. Assim dizia Paulo e depois dele João em sua primeira Carta. Sem discernimento não há boa eleição. Isso dizia Inácio de Loyola, em feliz síntese do que dizem Paulo e João e todos os grandes mestres. Pelo bem do Brasil, mais discernimento e menos exaltação irresponsável e exibicionista, por favor!
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga e autora de “Simone Weil – Testemunha dapaixão e da compaixão” (Edusc)