O Curso de Verão 2017 já começou! Tanto para os monitores, que desde o meio do ano participam de formações e reuniões, quanto para os palestrantes que no ano que vem, virão partilhar conosco suas vivências de construção de uma cultura de paz em tempos de violência.
Para nos introduzir um pouco no tema do Curso de Verão 2017: “Educar para a paz em tempos de injustiça e violência”, apresentaremos algumas entrevistas com os convidados que serão expositores durante o Curso.
A entrevistada dessa vez é Petronella Maria Boonen (Nelly), ssps, 54 anos, Educadora e Co-fundadora da linha Perdão e Justiça Restaurativa do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP).
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Ceseep – Qual a importância de, em tempos como os que vivemos educar as pessoas para a paz?
A Paz, decorrente da convivência ou coexistência, depende de como tratarmos as questões problemáticas entre nós. Culturalmente não fomos educadas para enfrentar situações custosas. Preferimos fazer de conta que não enxergamos e damos um jeitinho. É o que estamos vendo em todos os níveis, no ambiente familiar, profissional e na política. Abrange também as respostas que o Congresso e do STF estão dando à crise aguda do Brasil – dá-se um jeito, mas não se olhe para as raízes. Embora precebo que falar de lutas de classe está fora de modo, elas estão em todo lugar e crescem quanto maior a desigualdade social. Este cenário indica que a educação para a paz é urgente e precisa de muito empenho.
Ceseep – Na sua exposição falará sobre Justiça restaurativa como instrumento de cultura de paz, como se insere essa questão na sociedade nos dias atuais?
Restaurar é reparar, acertar, concertar. A restauração pede que se tome consciência das consequências de seus atos. Quando olhamos os níveis de corrupção por um lado e, por outro, os níveis de desresponsabilização, temos um longo caminho a percorrer para que a cultura de paz seja assumida como uma atitude. Os passos são reconhecer, responsabilizar-se e reparar. Portanto, vale para todos os níveis, indo do pessoal ao relacional, organizacional, comunitário, nacional e internacional.
Ceseep – O que é a justiça restaurativa?
A Justiça Restaurativa é um meio de gestão de conflitos (podem ser crimes) em que um facilitador auxilia os envolvidos – junto com os membros de sua família/comunidade por eles indicados a iniciarem um procedimento dialógico, capaz de transformar uma relação marcada pela oposição e violência, em relação cooperativa, visando o responsabilizar-se, a reparação de danos, a restauração de laços (interpessoais /comunitários) e a prevenção de violências futuras.
O ponto de partida da Justiça Restaurativa é o momento em que os protagonistas tomam, em suas mãos, seu caso problemático, seu conflito ou seu processo judicial. É diferente da justiça convencional em que se entrega o acontecido a um terceiro, uma instituição do Estado, que elabora o inquérito, oferece a denúncia, conduz o processo judicial e pronuncia um julgamento. Na Justiça Restaurativa não existe a pretensão de ser universal. A construção do justo sempre serve apenas para o microcosmo dos envolvidos numa situação específica. A construção daquilo que é justo pode apenas ser empreendida pelos próprios envolvidos através de diálogo, com ajuda de um facilitador. Restaurar o que é justo e reparar danos materiais ou emocionais não tem nada a ver com imputar uma punição ou uma pena a um agressor, que por meio desta se sente humilhado e inclinado a reagir, mais uma vez, com raiva e eventualmente com violência. Restaurar significa reparar o que está mal e isso somente é possível a partir da conexão dos envolvidos com os fatos, do reconhecimento mútuo como pessoas dignas de direitos e da atenção às necessidades de todos.
Ceseep – Como promover a justiça restaurativa?
Em muitos estados do Brasil estão se formando grupos e redes de Justiça Restaurativa seja a partir de organizações comunitárias, seja a partir de instituições públicas. Seu avanço dependo da divulgação e assunção de seus valores e de seus princípios. Os primeiros têm a ver com o que já foi dito acima – responsabilidade, respeito, reconhecimento, responzabilizar-se, e restaurar. Os princípios dizem respeito à voluntariedade, consensualidade, confidencialidade, delicadeza, celeridade, adaptabilidade e imparcialidade. Com isso digo também que, não adianta criar uma lei que estabelece uma data a partir da qual vamos aplicar a justiça restaurativa, se juntamente não criamos condições, para que estes princípios e valores possam ser assumidos pelos cidadãos. Instaurar os direitos sociais é uma condição para que a restauração possa alcançar êxito, pois sempre vai ao encontro das necessidades das pessoas envolvidas em situações conflitivas. E estas necessidades muitas vezes tem a ver também com a ausência de proteção social e direitos humanos.
Ceseep – A sociedade brasileira está preparada para viver e praticar essa justiça alternativa?
A justiça restaurativa é uma mudança de mentalidade. Para alguns é uma evolução humana, para outros é uma revolução. De certo, estamos num caminho, para mim, sem volta, pois o paradigma punitivo se esgotou. Portanto, temos que buscar outras respostas. É essa a situação que vai fazer com que mentes e corações humanos vão buscar alternativas e se deparam com as possibilidades da Justiça Restaurativa. Isso é a garantia do avanço.