Um planeta que destrói o meio ambiente para crescer economicamente a todo o custo, e em que as grandes fortunas são levadas para outros países para fugir de impostos, só pode ter um bom futuro com uma maior preocupação com o desenvolvimento humano e um governo global que consiga o retorno de grandes recursos para o governo. Esta foi a mensagem deixada em entrevista pelo professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, o primeiro palestrante do 29º Curso de Verão que assessorou os cursistas nos dias 7 e 8.
O doutor em ciências econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, da Polônia, recebeu o site do Ceseep no camarim do Teatro da Universidade Católica, logo após a primeira palestra, e falou sobre como o crescimento do PIB não reflete a melhora de vida das pessoas. “Quando você tem um desastre ambiental como o de Mariana (MG), você está aumentando o PIB, pois vai ter um conjunto de obras aí”. Para Dowbor, será necessário um dia frear o crescimento econômico. “Nós não precisamos de mais do que temos. O que a gente produz hoje dá R$ 7 mil de bens e serviços por mês para uma família de quatro pessoas.”
Segundo o economista, a atual política econômica do governo brasileiro possui como lógica elevar os juros, o que dá lucro aos grupos financeiros e diminui o poder de compra das pessoas e o rendimento das indústrias. Os brasileiros, entretanto, estão alheios ao que acontece, pois entendem pouco das questões econômicas. “Em todos os cursos primários, secundários e superior – ao não ser que você estude economia – ninguém tem uma aula sequer sobre como funciona o dinheiro. Isso é escandaloso.”
Para Dowbor, ainda é preciso reformar o sistema tributário no Brasil para que pobres não paguem mais impostos que os ricos. “Não é questão de aumentar os impostos, mas taxar os capitais improdutivos que geram esses ‘boys’ como o Eike Batista.”
Leia a entrevista:
Ceseep: Na sua assessoria, você fez uma crítica a como a imprensa e setores da economia exaltam a importância do crescimento econômico. Como é que você explica a relação dele com a devastação do meio ambiente?
Dowbow: O crescimento econômico, essencialmente medido através do PIB, é uma conta profundamente deformada. Por exemplo, quando você joga entulho no Rio Tietê, que você obriga depois o governo a fazer um conjunto de iniciativas para desassorear o rio, você está aumentando o PIB (Produto Interno Bruto). Quando você tem um desastre ambiental como o de Mariana (MG), da (mineradora) Samarco – provocado pelas exigências da Vale e da Billinton de lucratividade extrema -, você está aumentando o PIB, pois vai ter um conjunto de obras aí. Quando você faz saúde preventiva, as pessoas não adoecem e você não está aumentado o PIB, está parando o PIB. Quando a gente reduziu a mortalidade infantil nos últimos anos de 30 por mil para 15 por mil, você não está ajudando o PIB, pois o PIB aumenta quando você contrata ambulância, quando gasta com medicamentos e coisas do gênero. Na realidade, toda a discussão sobre o crescimento e desenvolvimento é que a gente quer medir o que melhora a vida da gente: não ter doença, não ter contaminação, poluição, todas essas coisas que aumentam o PIB, melhoram a vida da gente. Isso nos levou imediatamente a sair (da importância) do PIB para entrar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que acrescenta à renda, a parte da saúde e da educação, e hoje nos leva a sistemas sofisticados como o IRBEM (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município) da Rede Nossa São Paulo e uma outra série de indicadores que outros países estão começando a utilizar. Temos que sair desta coisa de crescer a todo custo. Por exemplo, se você sanear os rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros e transformar em espaços de lazer com água limpa, você está melhorando a vida das pessoas e para cada R$ 1 que você gasta na iniciativa, são R$ 4 que você economiza com doenças (que resultam em custo na saúde pública). Isso envolve que os recursos sejam utilizados menos pelo interesse imediato de lucros das empresas e mais pela qualidade de vida das populações.
Os defensores da importância do crescimento do PIB afirmam que, no atual sistema econômico, a única forma de as riquezas chegaram à base da pirâmide social é fazendo a economia crescer. Entretanto, este crescimento resulta na devastação do planeta. Como podemos sair desta equação?
Sair desta equação significa mudar a forma como a gente usa os recursos. Por exemplo, o Brasil tem $ 520 bilhões em paraísos fiscais. São mandados por intermediários financeiros, grandes fortunas, que não só não reinvestem no país o dinheiro que ganham, como sequer pagam os impostos, pois (as fortunas) estão em paraísos fiscais. São recursos que deveriam ser usados de forma inteligente. Você tem os intermediários comerciais nos crediários. Quando você pega um fogão, que uma fábrica produziu e vai receber (lucrar) R$ 200 e o pobre vai pagar R$ 800, pois vai pagar a prazo com juros de mais de 100%, você está esterilizando a capacidade de compra dessas populações, gerando ganhos dos intermediários elevados e o produtor vai receber muito pouco pelo seu produto. Você gerou uma economia essencialmente de intermediários financeiros: bancos e diversas financeiras, diversos sistemas de crediários que estão trabalhando sobre o desconhecimento e incompreensão que as populações tem do sistema de juros.
Temos o fato da taxa Selic ser de 14,25% e, com o estoque da dívida (pública) que temos (determinada pela taxa), grande parte dos recursos que o setor público estaria utilizando para dinamizar as políticas sociais e infraestrutura está sendo desviado para a dívida pública, para os bancos (que compram a maior parte dos títulos públicos). Estamos falando em cerca de entre 7 e 8% do PIB desviados para intermediários financeiros que pegam muito pouco imposto, pois acabam jogando o dinheiro para paraísos fiscais. O banco deveria fazer a lição de casa que é, em uma cidade qualquer, identificar bons empresários e propor a eles (financiamentos) com juros decentes. Nós temos que orientar esses recursos para o desenvolvimento, ou seja: financiar, do lado público, saúde, educação, infraestrutura; e do lado privado, empresas que gerem empregos.
Falta regulamentação tanto para a preservação do meio ambiente quanto para o mercado financeiro?
Em termos de regulamentação do meio ambiente, temos boas leis. Conseguiram truncar o Código Florestal, mas, no conjunto, temos boas leis na área ambiental. O problema é que, desde da lei de 1997 que autoriza as empresas a financiar as campanhas eleitorais, você tem no Congresso a bancada ruralista, dos bancos, das empreiteiras, da grande mídia, mas você não tem uma do cidadão. A legislação do sistema financeiro, artigo 192 da nossa Constituição, esse Congresso a liquidou. Ficou somente a primeira frase. Todos os artigos que definiam o marco jurídico do sistema foram liquidados. O resultado prático é que um banco como Santander, por exemplo, manda-me para casa uma proposta para entrar no (crédito) rotativo do cartão de 63,21%, quando os americanos estão chiando que é 16% ao ano lá. A única que o banco tem é de informar a taxa e a pessoa aceita ou não, o problema é dela. Isso é um vazio jurídico no Brasil que gera esse vale-tudo que está travando a economia.
Você vê o recente fim do financiamento empresarial das campanhas como uma possibilidade de termos um Congresso que aumente a regulamentação desse setor econômico?
É um ponto de partida. A partir de agora, se houver fiscalização das formas privadas diferenciadas de financiamento, as oportunidades são grandes. De toda forma, não é só no Brasil, os Estados Unidos também geraram em 2010 um sistema de financiamento empresarial que foi feito em nome da liberdade de expressão. Os americanos comentam que eles têm o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar.
O noticiário econômico costuma pautar temas como uma maior economia de recursos para pagar juros da dívida pública e também um maior controle da inflação, que acabam resultando no corte do orçamento de áreas sociais e também no aumento da taxa de juros. Como enfrentar essa influência na sociedade?
Em todos os cursos primários, secundários e superior – ao não ser que você estude economia – ninguém tem uma aula sequer sobre como funciona o dinheiro. Isso é escandaloso, pois a gente dá muito peso a entender o que acontece com a (esposa do rei de Portugal, Dom João VI) Carlota Joaquina e não com o que acontece com o nosso bolso. A gente não ensina nas escolas a situação do próprio município, que é uma coisa vital. A gente conseguiu introduzir isso em Santa Catarina (no programa) chamado “Minha Escola, Meu Lugar”, que permite formar uma nova geração que entende porque está contaminado o córrego do seu bairro e o que acontece com os recursos do município. Você está formando cidadãos e não apenas empurrando o currículo básico tradicional. Essa incompreensão dos mecanismos financeiros gera uma imensa fragilidade em termos de pressão da população (contra o governo). Como a mídia é financiada pela publicidade que vem justamente destes grandes grupos (econômicos), você gera os problemas, que a mídia joga nas costas do governo. Essa conjunção do Congresso financiado por esses grupos e da mídia – que possui concessões públicas – e tem uma crescente presença dos interesses econômicos juntos ao Judiciário, você termina deformando os rumos do país. Perde a ferramenta de organizá-los: a capacidade de governo.
Você defende como solução para a atual política econômica uma redução progressiva da taxa Selic até uma retomada dos níveis de 2013. Entretanto, isto também gera inflação. Deveríamos fazer uma opção pelo estímulo do consumo e da indústria em detrimento de um menor aumento dos preços?
A inflação hoje está gerada pelos preços administrados (controlados pelo governo até o ano passado), que precisavam ser reajustados, e pela elevação do dólar que encarece os produtos importados. Não é uma inflação de demanda. Não é que uma empresa não consegue acompanhar o consumo e aumenta os seus preços, porque tem escassez de produtos no mercado. Pelo contrário, os estoques estão abarrotados. O que precisamos gerar é capacidade maior de consumo e reduzir as taxas de juros ao invés de aumenta-las. A lógica é compreensível em situações diferentes, mas utilizada hoje de maneira profundamente sem-vergonha e com interesse político, que não tem nenhuma lógica econômica. Se você aumenta uma taxa básica de juros que remunera bem (os títulos públicos), pessoas que iam comprar coisas e dinamizar a economia pelo lado da demanda, elas dizem: “Não, aplicação financeira vai render mais”. Com isso você reduz a pressão da demanda e reduz a inflação, só que isso implicaria que a gente tivesse uma inflação de demanda. Na realidade, para o aumento da taxa de juros, eles utilizam um álibi para dizer que é para proteger a população (da inflação). Na verdade, é para encher os bolsos dos intermediários financeiros, que são os principais aplicadores na dívida pública, à custa dos nossos impostos.
Então o governo aumenta os juros com fins políticos?
Aumenta como resultado da pressão política. Quando foi baixada a taxa Selic em 7,5% (em 2013) e começou-se a reduzir as taxas comerciais de juros através (da pressão da redução) do setor público, como da Caixa Econômica Federal, era muito correto, só que você teve – com o Congresso que temos e a força dos que mamam na taxa Selic – uma pressão que levou o governo ao recuo. Nunca deveria ter recuado e tem de voltar no processo. Estamos pagando 14,25%; no Estados Unidos, 0,5%; na Europa, 0,5%; no Japão, é negativa. Isso é surrealista, você transferir até 8% do PIB para os banqueiros.
O governo precisa hoje do atual nível de juros para conseguir se financiar com a venda de títulos públicos, ou conseguiria ainda com uma taxa bem menor?
Com o endividamento, o governo está se desfinanciando. O sistema foi criado em 1996 pelo (ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso. Chegou-se a pagar 46% em cima de empréstimos públicos. No momento em que (o ex-presidente) Lula assume em 2003, estava em 24,5%. É gigantesco. O básico é o seguinte: é mais fácil se endividar do que cobrar mais impostos. Quem deveria pagar imposto no Brasil, não paga. Os pobres é quem pagam mais e os ricos gritam: “meu Deus, os impostos!” Há uma deformação do sistema tributário que se complementa como uma do sistema financeiro.
Como deveria ser uma reforma tributária no Brasil?
Tem de se reduzir a parte dos chamados impostos indiretos, 56% dos nossos impostos. A pessoa paga e não vê porque está nos produtos. Como, proporcionalmente, o pobre gasta mais da sua renda com esse tipo de compra, o pobre acaba pagando muito mais do que o rico. Você tem que aumentar as alíquotas sobre os que têm renda mais elevada, aumentar o imposto sobre a renda acumulada, o que é diferente da renda. Você praticamente não tem imposto sobre fortuna no Brasil. O imposto territorial-rural e o sobre a herança são ridículos. Hoje, o sistema internacional está descontrolado. Quando você aperta o imposto em um lugar, uma série de fortunas migra para paraísos fiscais. Não é questão de aumentar os impostos, mas taxar os capitais improdutivos que geram esses “boys” como o Eike Batista.
Como evitar a evasão de fortunas para outros países por causa do aumento do imposto?
É o grande dilema que foi discutido nas últimas três reuniões do G20. O BEPS (esquemas internacionais de planejamento tributário) faz parte desse processo, do deslocamento de lucros. Enquanto não tiver um sistema (de taxação) internacional, isso vai ser muito evadido. O sistema de transações financeiras é internacional, enquanto as leis são nacionais. Não há uma governança global do sistema financeiro.
Seria preciso ter um imposto sobre fortunas global ou na maioria dos países?
A proposta é inicialmente assegurar a transferência dos fluxos. Daí ter uma taxa que incida sobre todas as transações financeiras. Você vai ter acordos multilaterais ou bilaterais para que o país receptor dos recursos informe o país de origem dos recursos para que seja exigido o pagamento dos impostos. É uma mudança da arquitetura financeira internacional que está em curso e enfrentando gigantescas resistências.
Por último, o que você pensa sobre a teoria do decrescimento econômico, de que as economias dos países deveriam parar de crescer para se preservar o meio ambiente?
Em algum momento, a gente vai ter que parar. Nós não precisamos de mais do que temos. O que a gente produz hoje dá R$ 7 mil de bens e serviços por mês para uma família de quatro pessoas. Produzimos mais de um quilo de grãos por pessoa. Não há nenhuma razão para uma pessoa ter de passar fome, mas temos mais de 8 milhões de pessoas passando fome no mundo. Estou convencido que estamos evoluindo rapidamente para algum tipo de governo mundial, porque não dá para ter essa desarticulação de aproveitamento de grandes grupos internacionais que agem na esfera global onde não há governo e que tornam limitada a capacidade dos governos nacionais agirem. É só olhar a quantidade de governos, que são obrigados a aplicar uma plataforma de interesse dos grupos financeiros, apesar de terem sido eleitos para reformar o sistema.
Arthur Gandini