Na feliz expressão de Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Data Popular, “perder dói mais do que deixar de ganhar.”
De fato, ninguém se queixa de viajar de ônibus de São Paulo a Belo Horizonte, até o dia em que se vê em condições de cobrir o percurso em avião. Logo vê-se impossibilitado de voar e obrigado a viajar de novo por terra. Isso dói.
Essa dor da perda faz milhões de brasileiros se decepcionarem com o governo golpista de Temer. De cara, ele passou o rodo nos ministérios e secretarias especiais que, em 13 anos de governo do PT, trouxeram avanços significativos em suas respectivas áreas: Cultura, Direitos Humanos, Mulheres, Juventude e Igualdade Racial.
O ministro da Saúde ameaçou ignorar a Constituição e restringir o acesso dos brasileiros ao SUS. Tentou ainda erradicar o programa Mais Médicos e enviar os profissionais cubanos de retorno à ilha. Teve de recuar. Quantos doutores brasileiros estão dispostos a atuar em regiões remotas do país junto à população mais pobre?
O ministro da Educação – que falou “eu ovo” em vez de “eu ouço” – também ameaçou tirar os recursos de programas, como o FIES, que possibilitaram, nos útimos 10 anos, o ingresso de mais 9 milhões de alunos nas universidades brasileiras. Acuado, prometeu rever seu propósito, aliás digno da política colonial portuguesa, que sempre impediu o Brasil de ter universidade, enquanto no Peru e na República Dominicana ela existe desde o século XVI.
Reduzir os recursos do Bolsa Família, por exemplo, é tirar milhões de crianças da escola e do acesso às garantias mínimas de saúde, como as vacinas, já que a renda destinada à família vincula a obrigatoriedade de frequência escolar e atenção sanitária dos filhos.
Tais medidas são exemplos da lógica perversa do governo golpista: dependurar a economia nas exportações; asfixiá-la pelos ajustes fiscais; implantar o Estado mínimo; considerar gastos os investimentos em programas culturais e sociais. Assim, o Brasil perpetua sua impossibilidade de fomentar o mercado interno – medida adotada pelos EUA para sair do atoleiro após a crise econômica de 1929.
Um país só fortalece seu mercado interno se investir em capital humano, ou seja, saúde educação e cultura. Quando se joga pra escanteio tais direitos, assina-se o atestado de pobreza e dependência de uma nação desigual e injusta.
Os eleitores de Lula e Dilma votaram na igualdade de oportunidades. Os apoiadores de Temer preferem a meritocracia. Ora, como assegurar mérito se a desigualdade social exclui milhões de pessoas de acesso à escola e ao emprego formal?
A cultura escravocrata ficou tão impregnada no brasileiro que paira no ar o medo de se tornar realidade a hipótese de não haver mais Casa Grande nem senzala…
Portanto, se perder dói, não nos resta outra alternativa que lutar para ganhar. Quem não chora não mama.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.