Tenho 57 anos de idade e, olhando para frente, com certeza terei menos tempo do que o que já vivido. No entanto, olhando para trás, o tempo já transcorrido me trouxe muitos ensinamentos e me nutri de muitas mensagens, aulas, exemplos, etc., que me foram úteis para minha vida atual e futura.
Relembro o ano de 1986, quando o Brasil passava por uma eleição Nacional Constituinte, onde naquela oportunidade o povo foi chamado a votar em deputados federais que teriam como tarefa, além do desempenho no Congresso Nacional, formar a Assembleia Nacional Constituinte, que escreveria uma nova Constituição, que foi promulgada em 05 de outubro de 1988.
Naquela oportunidade eu participei de uma palestra ministrada pelo Dr.Manoel, Juiz de Direito cristão da cidade de São José dos Campos, que anos depois veio a ser eleito Vereador naquela cidade (hoje, aposentado, atua como voluntário na Fazenda de recuperação de dependentes químicos do Frei Hans, em Guaratinguetá).Sua palestra focou na importância dos cristãos votarem consciente e escolherem bem o seu candidato a Deputado Federal, e discorreu a respeito do que os futuros deputados fariam.
Realmente nos conscientizou o quanto o voto no parlamentar seria importante, pois, desta escolha dependeria qual Constituição teríamos no Brasil. Seria a primeira Constituição a ser escrita após o golpe Militar de 1964.
Ao encerrar sua palestra, ele utilizou o trecho de Matheus, capítulo 25, o qual nunca mais esqueci. Primeiro ele lembrou o teor do trecho do Evangelho:
“Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, enfermo e não me visitastes, nu e não me vestistes, etc..”.
A seguir o palestrante continuou mais ou menos com estas palavras que se seguem, para concluir a sua exposição, para demonstrar o valor e o cuidado que cada cristão deveria ter no voto a ser dado naquela eleição:
“Portanto, meus amigos, este trecho do Evangelho também nos questionará no nosso julgamento. Pois seremos indagados por que não demos comida aos famintos, por que não demos água aos sedentos, por que não demos saúde aos enfermos, e então perguntaremos: ‘Quando foi que fizemos isto?’ – e Ele nos dirá: lembra-se em 1986 quando você foi chamado a votar num deputado federal constituinte e você não deu a devida importância, escolheu de qualquer jeito ou anulou seu voto ou votou em branco? Pois é! Naquela oportunidade você poderia ter escolhido alguém que promovesse mais justiça no Brasil, para escrever uma Constituição que diminuísse a fome do povo, que gerasse melhores condições de saúde pública e outros avanços sociais e você se omitiu, você não cumpriu sua parte de cidadão… com isto, me deixastes com fome, com sede, enfermo…”.
Aquela palestra me foi muito válida e, na oportunidade, eu e meu grupo escolhemos o candidato Plínio de Arruda Sampaio para apoiar e votar e, felizmente, ele foi eleito, fez um brilhante trabalho na Assembleia Constituinte e obteve “nota 10” pelo DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Pois bem, os tempos se passaram e agora estamos diante de um segundo turno de eleições para Presidente e Governadores.
Para presidente temos dois candidatos que, embora tenham sido os mais votados no primeiro turno, também são os que tinham maior rejeição no primeiro turno.
Daí que é compreensível que, num primeiro momento, alguns queiram votar de qualquer jeito, ou anular ou votar em branco ou mesmo se abster de seu direito ao voto.
O que está em jogo no Brasil é tão importante quanto aquela eleição de 1986; afinal o que representa cada uma das duas candidaturas colocadas são diametralmente opostas.
Independente de alguém gostar ou deixar de gostar de um partido ou de outro, a livre escolha de um dos candidatos postulantes encerrou-se no primeiro turno. Agora, pela regra do jogo, um dos dois será o Presidente do Brasil.
Um dos dois será aquele que nomeará quem serão os Ministros da Saúde, Educação, Cultura, Esporte etc.
Um dos dois será aquele que definirá as prioridades para o país.
Um dos dois será o Presidente que pode unir o Brasil ou gerar mais divisão ainda.
Um dos dois será o Presidente que definirá se o salário mínimo deve ter seu poder de compra melhorado ao longo dos anos, ou rebaixado para gerar uma sociedade de trabalhadores sem chances de melhorar suas condições financeiras.
Um dos dois será o Presidente que dirá se o mais importante são os livros ou as armas.
Um dos dois será o Presidente que tratará as pessoas de forma igualitária ou menosprezará os negros, os homossexuais, os índios, as mulheres, as minorias etc.
Um dos dois será o Presidente que garantirá a democracia, o Estado de direito ou implantará o Estado de exceção, o Estado autoritário.
Um dos dois será o presidente que combaterá a violência com disciplina, ordem, imposição da lei ou gerará mais violência ainda, usando inclusive de tortura e até mesmo a morte.
Um dos dois será o presidente que fará a relação do Brasil com o mercado financeiro protegendo os menos favorecidos ou impondo-lhes maiores cargas tributárias.
Escolheremos entre o Brasil da tolerância e a inclusão ou o Brasil do terror e da rejeição às diferenças religiosas, étnicas, de gênero etc.
Escolheremos entre viver num país onde se respeita as opiniões e as liberdades ou viver num país com o horror de não poder pensar diferente por serem perseguidos, encarcerados ou, inclusive assassinados.
Um dos dois será o presidente que buscará políticas sociais compensatórias, visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária ou aprofundará as divisões sociais, aumentando o número de pobres e melhorando ainda mais as condições dos abastados.
Um dos dois será o presidente… queiramos ou não, um dos dois será o presidente… O resultado das urnas em 28 de outubro, dirá se o Brasil escolherá o caminho da democracia ou do despotismo, da civilização ou da barbárie, da liberdade ou da repressão.
Portanto, votar em branco, anular ou abster-se é lavar as mãos (alguém já fez isto no passado). Tal como a palestra citada anteriormente. Ouçamos as palavras do Evangelho:
“tive fome, tive sede, estive doente, e na oportunidade que você tinha para que isto fosse amenizado na minha vida, você se omitiu…”.
E perguntaremos “quando Senhor?”. E ele responderá: “nas eleições de 2018 você poderia ter votado com consciência por um projeto e você se omitiu”. Ou pior ainda: “na oportunidade que você tinha, você optou (votou) por aumentar minha fome, minha sede…”.
Jesus já dissera na cruz: “tenho sede”. Segundo o sermão (que me lembro bem) do Monsenhor Sebastião Faria na sexta-feira santa de 1979 na Igreja Matriz de Jacareí, é evidente que esta sede de Jesus na cruz não é apenas sede física de água, mas sede de pessoas que amem o próximo, sede de pessoas que construam o Reino de Deus, sede de pessoas comprometidas com os menos favorecidos.
Após as eleições, olhando o crucifixo, eu terei que responder a seguinte pergunta: “meu voto contribuiu para aumentar a sede de Jesus ou meu voto contribuiu para diminuir sua sede?”.
Eleição e voto são coisas sérias. No Evangelho de Matheus 25 fica claro que não seremos cobrados por quantos Cultos ou Missas participamos, por quantas palestras ou cursos ministramos, em quantas pastorais atuamos. Isto não está escrito em lugar nenhum…, mas sim pela questão da fome, da sede, da miséria do povo, da exclusão social, da justiça etc., estas estão todas escritas (no Novo e no Antigo Testamento – vide Livro de Amós, Carta de Thiago e tantos outros).
Não nos enganemos e não nos iludamos. Também não nos deixemos cair em tentação, como diz à oração que Jesus nos ensinou: “não nos deixeis cair em tentação” do ódio, da vingança, da desilusão, da omissão.
Agora todos nós somos chamados a tomar uma posição. Não existe neutralidade – repito: não existe neutralidade!
Na urna estará somente eu e minha consciência. A depender do número que apertar, dependerão quais rumos serão traçados para o país e revelará qual espiritualidade estou vivenciando, na prática social e política.
Felicidades a todos!
Marco Aurélio de Souza
Pós-graduado em espiritualidade pela Faculdade Vicentina-PR
Membro da equipe executiva do CESEEP – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular
Belíssima reflexão do meu amigo Marco Aurélio. Obrigado! Parabéns!