O livro do Eclesiastes, também chamado Coélet, faz parte do conjunto de livros do Antigo Testamento chamados “sapienciais” ou livros de Sabedoria. A palavra Eclesiastes significa “aquele que fala na Assembleia”, ou seja, o “mestre” e corresponde à tradução do termo hebraico Coélet. Isto significa que se trata de um livro para ser usado na Sinagoga, que é o lugar de reunião (assembleia) do povo judeu onde se lê a Escritura, se reza e transmite a Tradição.
No Antigo Testamento, temos três tipos de literatura: a Lei, a Profecia e a Sabedoria. No ano passado, estudamos o livro do Levítico, que faz parte da Lei, juntamente com o Genesis, o Êxodo, Números e Deuteronômio. Já estudamos também vários livros proféticos (Isaías, Jeremias, Amós, Oséias) e três livros sapienciais: Jó, Salmos e Cântico dos Cânticos. Neste ano, vamos estudar o Eclesiastes que traz a reflexão de um sábio contemporâneo do império grego, entre 300 e 200 antes de Cristo.
Na realidade, os livros da Lei falam não só de leis, normas e instruções, mas também de História e mitos. Os livros Proféticos também são ligados à história do povo e tratam dos problemas sociais, éticos e religiosos, na perspectiva de fidelidade do povo à Aliança com Javé. O tema dos profetas é sobretudo a questão da Justiça, do Direito e da Solidariedade. Já a literatura sapiencial se desenvolve muito em poesia, cânticos e provérbios. Ela traz a experiência do povo na vida cotidiana, as recomendações dos mais velhos, a sabedoria popular, mas também a reflexão dos mais eruditos. Nesta categoria estão, além de Jó e Salmos, Provérbios, Cantares (= Cântico dos Cânticos), Eclesiastes e, na Bíblia católica, os livros da Sabedoria e Eclesiástico.
Uma observação sobre a espiritualidade sapiencial
Os livros sapienciais derivam de uma certa espiritualidade, um modo de encarar as coisas que vem da própria experiência de vida. Por trás da Sabedoria há um longo itinerário de lutas, ensaios e erros, sucessos e fracassos que toda pessoa mais vivida já conheceu. É um saber que vai moldando a cabeça e o coração da gente (Ex 35,30-35).
A Sabedoria não se encontra primeiro nos livros, mas sim numa vida conscientemente vivida, observada, refletida, curtida, sofrida… É daí que nasce a espiritualidade que chamamos sapiencial. Ela não nasce como um bebê que cai do alto, trazido pela cegonha, mas vem como uma criança gestada num longo processo, lentamente nutrida e formada dentro do seio da mãe antes de se apresentar ao mundo. Ela foi sendo gerada no seio da casa, da família, dos clãs e das tribos. Era uma espiritualidade que se expressava em provérbios ou ditados, em pequenas narrativas de histórias ou lendas, e em alguns salmos de louvor, de meditação ou de súplica.
Por isso a Sabedoria só fala a partir da vida, não a partir das teorias e das ideias. O homem sábio e a mulher sábia têm a prudência de não jogar palavras ao vento; eles só se pronunciam após comprovar suas ideias com a experiência. Ou às vezes nem precisam falar, pois suas atitudes já falam por si.
Neste sentido, vemos Jó repreender a seus amigos que não passaram pelo sofrimento e tinham a pretensão de falar com autoridade sobre o assunto: “Vocês são apenas manipuladores de mentiras, são todos meros charlatães! Oxalá vocês ficassem calados! Seria o melhor ato de sabedoria!… (Jó 13,4-5)
Esse protesto de Jó vai aparecer sob outra forma no livro de Eclesiastes. O autor critica as “novidades” do mundo grego que, em sua época, iludiam o povo permitindo aos mais “espertos” continuarem explorando os humildes. Por isso ele vai exclamar: “vaidade das vaidades! Tudo é vaidade!”
Sim, o autor do Eclesiastes é um cético: desconfia dos portadores de um progresso que mais explora do que liberta. Ele é um crítico impiedoso que às vezes até exagera, mas também traz algumas palavras de poesia e esperança:
“Há um momento para tudo e um tempo certo para cada coisa debaixo do céu.
Tempo de nascer e tempo de morrer.
Tempo de plantar e tempo de arrancar a planta.
Tempo de matar e tempo de curar.
Tempo de destruir e tempo de construir.
Tempo de chorar e tempo de rir,
Tempo de gemer e tempo de bailar
Tempo de atirar pedras e tempo de recolher pedras.
Tempo de abraçar e tempo de separar.
Tempo de buscar e tempo de perder
Tempo de guardar e tempo de jogar fora.
Tempo de rasgar e tempo de costurar.
Tempo de calar e tempo de falar.
Tempo de amar e tempo de odiar.
Tempo de guerra e tempo de paz.”
Ecl 3,1-8
Tereza Cavalcanti