O Brasil está na véspera de eleições para presidente, governador e deputados. O clima está mais polarizado do que nunca. Nas eleições para o poder executivo, quase não se apresentam programas e projetos. Os debates incidem mais sobre histórias pessoais e não em discutir o modelo de sociedade que queremos.
As pesquisas de voto mostram uma divisão radical. As alternativas não parecem ser entre partidos ou candidatos ao mesmo cargo. É como se fosse um plebiscito no qual o povo votará se quer continuar com a Democracia, mesmo imperfeita e a ser reformada, ou se entrega o país a um governo autoritário que propõe a violência armada como solução para os problemas sociais.
E como a propaganda é de segurança social, muitos pobres são cooptados sem saber no que estão realmente votando. Grandes meios de comunicação fazem com que as pessoas descontentes com a realidade se comportem como a barata que, ameaçada, se refugia debaixo da bota que a vai esmagar.
E até a fé cristã é usada como se Deus fosse de direita e Jesus inspirasse as violências da repressão prometida. Bispos, padres e pastores têm se pronunciado pouco sobre a situação brasileira. Quando o fazem, as declarações cheiram mais à diplomacia do que à profecia.
Nesse contexto, temos de lembrar com saudade que, há 45 anos, em 1973, em plena ditadura militar, em meio à repressão aos movimentos sociais e censura à imprensa, os bispos católicos do Nordeste e do Centro-oeste divulgaram dois documentos importantes.
No Nordeste, 13 bispos e cinco superiores religiosos assinaram um documento chamado “Eu ouvi os clamores do meu povo”. No Centro-oeste, os bispos publicaram “A marginalização de um povo: o grito das Igrejas”.
O primeiro documento recebeu seu título de uma palavra da Bíblia, no livro do Êxodo, quando, do meio da sarça ardente, Moisés escuta uma voz que dizia: “Eu sou o Deus de teus pais. Ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3, 7). Ao assumirem como atual essa palavra divina, os bispos analisaram a realidade do Brasil e do Nordeste dos anos 70. Confirmaram que a realidade social do país e da região era de profunda injustiça institucionalizada.
O progresso social promovido pelo governo era um “desenvolvimento sem justiça” que só aumentava a escravidão do povo. O documento do Centro-oeste afirmava claramente: “Devemos vencer o Capitalismo. Esse é o grande mal, o pecado acumulado, a raiz podre, a árvore que produz frutos bem conhecidos, como a pobreza, a fome, as doenças e a morte […]. Para isso é necessário que a propriedade privada dos meios de produção fábricas, terra, comércio, bancos) sejam destronados” (cf. SEDOC 6, 1973-1974).
Atualmente, o Brasil continua a ser um dos países com maior desigualdade social no mundo. A concentração de renda se agravou. As opressões contra os pobres são mais pesadas. O Capitalismo se tornou mais assassino.
No entanto, fora o papa Francisco, parece que poucos bispos mantêm a mesma voz profética. É verdade que não estamos mais em época de ditadura. A sociedade civil e os movimentos sociais não precisam mais de profetas que sejam “a voz dos que não têm voz”.
Entretanto, se as comunidades eclesiais e seus pastores se alienam tão profundamente da realidade social e política do povo, são as próprias Igrejas que perdem com isso. Esvaziam-se de vitalidade espiritual e credibilidade em relação à missão de testemunhar o reino de Deus, ou seja, o projeto que Deus quer para o mundo.
Nas eleições, tanto presidenciais como estaduais que teremos na próxima semana, é bom saber: além dos candidatos e candidatas que se submetem ao julgamento do voto, de certa forma é o próprio Deus que está em questão.
Se alguém diz ter fé em Deus e vota em candidato que propõe a violência e o ódio como solução para os problemas sociais é porque crê em um Deus cruel e injusto. Quem vota em candidatos comprometidos com as causas dos mais pobres testemunha um Deus Amor que, na Bíblia libertou o povo antigo da escravidão dos faraós e ao qual Jesus chamou de Paizinho. Como disse Jesus aos discípulos, precisamos ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13- 16).
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.
Excelente artigo. Toda minha formação foi em comunidade de base e tinha um dos primeiros bispos negros do Brasil liderando meu sertão. A tristeza que tenho hoje em ver tantos bispos comprometidos apenas com o dízimo me faz acreditar que hoje mais do que nunca a igreja precisa de refirma. Principalmente neste aspecto pois é de doer ver tantos clérigos encerrados em seus mundinhos sem nenhuma capacidade de liderança nem amor ao povo.