Quando as ofertas são por demais numerosas e as atrações do consumo tentam nos aprisionar, um dos cuidados fundamentais é a de fixar em nós, no mais profundo do nosso ser, as raízes do amor.
Conforme o quarto evangelho, depois de cear com os discípulos e discípulas, na noite em que ia ser preso e condenado à morte, Jesus proferiu um discurso que é sua herança para a comunidade dos discípulos e discípulas. Em meio a essas palavras, ele lhes dá esta recomendação: “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos” (cf. João 15,5-9).
É este o tema escolhido para a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs que, neste ano de 2021, ocorrerá na próxima semana do domingo 16 ao domingo, 23 de maio.
O livro dos Atos dos Apóstolos conta que, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, na festa judaica de Pentecostes, o Espírito de Deus se manifestou e reuniu pessoas de diversas culturas e idiomas diferentes de modo que todos e todas puderam se entender. Por isso, há mais de cem anos, comunidades cristãs de diferentes denominações dedicam a semana anterior à festa de Pentecostes à oração pela unidade das Igrejas cristãs.
Desde as primeiras décadas do século XX, a Semana de Oração pela Unidade Cristã se tornou importante para a aproximação e o diálogo entre diferentes Igrejas e também sinal de unidade para toda a humanidade. Desde então, tem sido ocasião feliz para intensificar nas Igrejas a cultura do encontro, da acolhida e do caminho em comum a serviço da humanidade.
No Brasil, anualmente, a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs é preparada e organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). Este organismo ecumênico tem exercido um papel profético no esforço de unir as Igrejas a serviço do projeto divino para o mundo. O CONIC tem testemunhado que não tem sentido falar de Deus e se apresentar como cristãos e, ao mesmo tempo, ser conivente com injustiças. Desigualdades sociais, sexuais, culturais e religiosas atentam contra a vida das pessoas empobrecidas. Apregoam ódio e discriminações. Destroem a Mãe Terra e ameaçam a vida no planeta. Opõem-se ao projeto divino.
Assim, precisamos ver esta Semana de Orações pela Unidade (SOUC) como continuidade da profética Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 sobre Diálogo como compromisso de Amor.
Como explica o livro de subsídios publicado no Brasil pelo CONIC: “Ano após ano, comunidades cristãs das mais diferentes tradições têm aderido às celebrações propostas pela Semana de Orações pela Unidade dos/das Cristãos/ãs. Isso reflete uma compreensão cada vez maior da mensagem de Cristo, que disse: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17:21).
Neste 2021, Igrejas do mundo inteiro receberam os subsídios para Semana de Orações pela Unidade preparados pela comunidade ecumênica de Grandchamp, na Suiça. É uma comunidade de monjas, provenientes de várias Igrejas evangélicas. Desde a primeira metade do século XX, unida à comunidade de Taizé, as monjas de Grandchamp oram e trabalham pela unidade das Igrejas e pela Paz no mundo. No Brasil, esses subsídios foram adaptados à nossa realidade pelo Conselho Amazonense de Igrejas, CAIC. Este fez um excelente trabalho, no qual a unidade das Igrejas se insere no respeito amoroso às tradições e culturas dos povos originários.
Este tema tomado da palavra de Jesus “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos” pode ser compreendido, hoje, como apelo para compreenderemos que se algo se denomina como sendo de Jesus só pode ser amoroso e aberto a tudo o que é humano. Como dizia um pai da Igreja do século II: “para quem é cristão, nada do que é humano pode ser estranho”.
Também é preciso ligar a adesão amorosa a Jesus e o cuidado de “dar frutos”. Atualmente, para a nossa fé dar frutos adequados de justiça e amor não podem apoiar sistemas políticos que defendem violência. Em nome de Jesus não se podem discriminar ninguém. Um modo de organizar a sociedade que aumenta desigualdade social e injustiças é contrário ao projeto divino. Para permanecer ligados a Jesus, devemos colaborar com a justiça, a paz e o cuidado com a Terra e toda a criação divina.
Para realizar o desejo expresso de Jesus, o caminho da unidade cristã é necessário para as Igrejas. No entanto, é igualmente importante para toda a humanidade porque colabora com a fraternidade universal e a paz. A oração desta Semana da Unidade assim se expressa:
“Amado e misericordioso Deus pai e mãe, Tu nos chamas para vivermos a unidade e a reconciliação. Por isso estamos reunidas (os) para celebrar, orar, e Te louvar. Nesta semana de oração, queremos ser tocadas (os) por Teu Amor. Ao permanecer Nele, nos reconciliamos conosco e com nossas irmãs e irmãos. Em Cristo, Teu Amado Filho, desejamos produzir bons frutos para vivermos em comunhão, restabelecendo relações de amizade, partilha e solidariedade. Assim, nos reconhecermos como irmãs e irmãos neste mundo tão dividido. Nós te pedimos isso em nome de Jesus. Amém”.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.