Nestes dias, costumamos compartilhar entre nós os melhores votos para este ano que vai começar. No entanto, não basta formular desejos de feliz ano novo para que, magicamente, o tempo traga alegria e vida mais feliz. De fato, como falar em paz e justiça, como tornar verdadeiros os votos de feliz ano novo em um mundo no qual, apenas duas mil pessoas superprivilegiadas possuem o mesmo que quatro bilhões e setecentos milhões de seres humanos?
Pelos atuais cálculos da FAO, organização da ONU contra a fome, a cada minuto, ao menos onze pessoas no mundo podem morrer de fome. Mesmo nos Estados Unidos, em meio à ilha de riqueza, prosperidade e ostentação, se calculam que, neste momento, 50 milhões de pessoas vivem em condições de grande pobreza. Ao mesmo tempo, o mundo afunda em uma crise ambiental cada vez mais profunda e não parece libertar-se agora da pandemia. Isso sem falar na tragédia das migrações.
Em meio a essa realidade, na última década, é inexplicável que, em todos os continentes, os governos tenham duplicado suas despesas militares. Para 2022, o orçamento a ser gasto com armamentos chega a dois trilhões de dólares. As grandes potências projetam armas com raios invisíveis que influenciam diretamente a mente das pessoas e constroem robôs inteligentes, capazes de decidir o momento de atacar e têm autonomia para matar seres humanos.
No Brasil, a imprensa noticia que um coletivo de empresários continua apoiando o atual governo. A elite financeira colabora ativamente para que o Brasil e o continente latino-americano se mantenham com governos de extrema-direita que cultuam Hitler, Mussolini e ditaduras militares. Ao mesmo tempo, em todas as Igrejas, crescem setores e movimentos religiosos que cultuam Deus como se fosse símbolo do poder ditatorial e dos privilégios de classe, raça e sexo.
De fato, há quem se pergunte se o Brasil tem saída e se o mundo atual ainda tem salvação. Nossa esperança não vem de uma análise da realidade, pois esta, para ser verdadeira, só pode ser muito pessimista. Nossa esperança vem da nossa fé na vida, no ser humano e no Amor Divino que fecunda o universo e está adormecido no coração das pessoas. Assim como a saúde da árvore está principalmente nas raízes, as opções fundamentais da sociedade são alicerçadas na cultura. O Capitalismo, antes de ser um sistema econômico no qual tudo, até as pessoas têm preço, é uma cultura, um modo de olhar a vida. Se trabalhamos para transformar essa cultura, podemos confiar na possibilidade de transformar o mundo. No ano passado, em sua mensagem, o papa tinha proposto a “cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer“. Neste ano, em sua mensagem para o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz, o papa propõe: “Educação, trabalho, diálogo entre as gerações: instrumentos para a construção de uma paz duradoura”.
Os movimentos populares sabem que essa transformação provocada pela educação, pelo diálogo entre as gerações e pela valorização do trabalho não ocorrerá de cima para baixo. Não será feito por programas governamentais e sim a partir das bases da sociedade.
Nestes dias, o Cristianismo celebra a memória do nascimento de Jesus. É um modo de proclamar que a salvação da humanidade vem das periferias do mundo e da pequenez de um presépio. É preciso que cada um/cada uma de nós redescubra no mais fundo do seu ser o presépio de palhas que, mesmo pobre, acalenta o ser humano novo que nasce em nós e para um novo mundo possível. Como dizia na Índia, o Mahatma Gandhi: Comece por você a mudança que deseja para o mundo.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.