Missionário, comunicador, profeta e parceiro das grandes causas dos excluídos da América Latina
O dia 26 de outubro amanheceu trazendo a triste noticia da morte de Konrad Berning: missionário, comunicador, profeta e parceiro das grandes causas dos excluídos da América Latina. Verbita de pura cepa, ele viveu os últimos anos e faleceu na cidade de Münster, Alemanha. Por coincidência, o mesmo local onde estudou e foi ordenado Santo Arnaldo Janssen, fundador da Congregação do Verbo Divino, familia à qual ele pertenceu. Escrevo estas linhas na casa Verbita, hoje denominada Comunidade Pedro Casaldaliga, diocese de Santo Amaro, SP, local onde Konrad viveu por muitos anos e alavancou muitos sonhos que se fizeram realidade em imagens e vozes que alimentaram a caminhada da Igreja no Brasil, na América Latina e no mundo ao longo dos últimos 40 anos.
Ele soube detectar, selecionar e ir ao encontro de tantas vidas que se colocaram a serviço de uma Igreja construtora do reino da justiça, da verdade e da paz, conforme o impulso dado pelos padres conciliares durante o Concilio Vaticano II. Ao longo de sua vida Konrad mostrou-se um missionário Brasileiro e Latino Americano (nascido na Europa) que partilhava em forma de imagens e vozes, a paixão e o vigor da Igreja na América Latina pós Vaticano II. Animado pelo espirito do Concilio e pelas recomendações dos Capítulos Gerais da Congregação do Verbo Divino, demonstrou seus talentos de educador e comunicador já no inicio de sua missão em Curitiba e Foz do Iguaçu como formador e vigário paroquial.
O atual diretor da Verbo Filmes, o Verbita Cireneu Kuhn destaca que Konrad “compreendeu muito cedo a importância e a necessidade do uso dos novos meios de comunicação como instrumento eficaz de evangelização e promoção da justiça e da paz!”. Com uma câmera nos ombros, um microfone na mão e a ajuda de seminaristas e alguns jovens sonhadores como o seu amigo Luís Valter de Souza, na cidade de Foz do Iguaçu, nos anos 70, pouco a pouco foi se movendo do âmbito paroquial e fazendo do Brasil e a América Latina o seu chão eclesial. As suas produções, com grande densidade e conteúdo teológico e missiológico, transformaram a Igreja local e sua ação pastoral em espaços fecundos de difusão do Evangelho e da catolicidade da Igreja.
Nelson Augusto Tisky, um dos seminarista de filosofia Verbita que acompanhou Konrad nos primeiros passos dessa iniciativa e ainda hoje atua na equipe da Verbo Filme, salienta que Konrad foi “um visionário, alguém que viveu além do seu tempo. O dinheiro para ele nunca vinha em primeiro lugar. Com ou sem dinheiro o importante era levar a cabo iniciativas que comprometessem as pessoas com a luta por um mundo melhor”. Outra iniciativa que merece destaque, segundo Nelson, “foi o incentivo que ele deu a dezenas de jovens para que se comprometessem com a comunicação e o jornalismo. Também não mediu esforços par apoiar a tantos leigos e leigas , brasileiros ou alemães que se dispunham por alguns meses a conviver e aprender com a Igreja no Brasil”.
Com o apoio das províncias Verbitas no Brasil e da CNBB (Conferencia dos Bispos do Brasil) ele fundou em 1975 a Verbo Filmes. No dia da fundação, em Santo Amaro, SP, o então secretario geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter aconselhou: “… procurem criar e evangelizar com imagens nossas, do Brasil e da América Latina; com imagens que o povo entenda e assimile com facilidade, em vez de trazê-las de fora e simplesmente traduzi-las”.
A presença e experiência no setor de Comunicação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a convivência com os bispos proféticos dos anos 80, dentre eles Ivo Lorscheiter, Aloisio Lorscheiter, Paulo Evaristo Arns, Helder Câmara, Luciano Mendes de Almeida, José Maria Pires, Antônio Fragoso e tantos outros, fizeram com que ele nunca arredasse pé dos temas mais caros às conferencias episcopais de Medellín, Puebla e ao que hoje nos postula o pontificado do Papa Francisco: “uma Igreja pobre, para os pobres e entre os pobres”. Desde o inicio Konrad soube ter olhos, ouvidos e coração para a realidade dos mais pobres e injustiçados da América Latina e do mundo. Manteve-se sempre em contato e em sintonia com importantes instituições ligadas à comunicação cristã tais como a União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC), a ALER (Associação Latino-americana de Educação Radiofônica) e outras.
O inicio de suas produções deu voz e vez à juventude com os filmes vocacionais “A pedra Preciosa” e “Caminheiro não há Caminho..”, que ainda hoje ecoa nos ouvidos de muitos de nós através do refrão de uma das canções veiculadas no vídeo: “caminheiro, não existe caminho, passo a passo e caminho se faz”. Realizou com entusiasmo a cobertura da visita do Papa Joao Paulo II ao Brasil em 1980 e a documentou através dos vídeos “A Bênção João de Deus”, “Terra Dom de Deus” e “Na Multidão um Pastor”.
Os vídeos infantis sobre as parábolas Bíblicas com “O Bom Samaritano”, “Ovelha Perdida”, “O Semeador” e os “Os sete sinais da vida” ajudaram as comunidades a tornar vivo e eficaz os compromissos assumidos no batismo e reafirmados ao receber os outros sacramentos. Somou-se a eles o documentário sobre o leprosário de Marituba e o depoimento do portador de hanseníase e ministro da comunhão Adalúcio Calado através do vídeo “Amo a Vida”. Abordou o tema da inculturação nos filmes “Missa da Terra sem Males”, “Missa dos Quilombos”, “É a Vida Que Celebramos” e “O Evangelho Crioulo”. Destaque-se a parceria que sempre estabeleceu com D. Pedro Casaldaliga, bispo emérito da prelazia de São Felix do Araguaia.
Seguiu girando pelo Brasil e América Latina e detectando realidades eclesiais e testemunhos silenciosos de tanta gente que com sua entrega e dedicação, se ofereceram até a ultima gota e muitas vezes entregaram a própria vida “para que todos tenham vida”. Documentou a solidariedade das Igrejas do Sul com a realidade da Amazônia nos anos 70 através da visita do Cardeal Paulo Evaristo Arns e bispos à prelazia de Itacoatiara no filme “Chamados a ser povo”. Registrou os testemunhos martiriais de Santo Dias da Silva em “Caiu em terra boa”, de Ezequiel Ramin, Irmãs Cleusa e Adelaide Molinari; a luta do P. Josimo Morais Tavares entre os posseiros no Bico do Papagaio no filme “Na terra devastada”; a entrega do jesuíta irmão Vicente Cañas, assassinado por sua luta e presença entre os indígenas Enawenê-nawê em Mato Grosso; o testemunho das Irmãzinhas de Charles de Foucault, entre elas, a francesa Geneviève Hélène Boyé, conhecida como irmã Veva, que viveu e morreu entre os índios Tapirapè, no Mato Grosso. O compromisso radical com os pobres durante a seca do nordeste aparece em “Os pobres meus mestres”, vídeo testemunho sobre o padre Alfredinho (Fredy Kunz), religioso vitima do nazismo que entregou parte de sua vida aos pobres de Crateús e depois na periferia de Santo André, SP.
Alimentou a formação teológica com os vídeos do Curso de Verão e outros materiais produzidos pelo CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular), os encontros das CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base), assembleias da CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil) e tantos outros matérias produzidas para a CNBB a partir dos temas das Campanhas da Fraternidade.
Os anos de dedicação o tornaram um cineasta muito respeitado pela vastíssima obra cinematográfica de conteúdo pastoral, social e eclesial. A trilogia: Ameríndia, Pé & Fé na Caminhada, Anel de Tucum alimentou a luta e as iniciativas de pessoas comunidades que fizeram do Evangelho fonte de vida e resistência aos projetos de morte que imperam em nosso pais, continente e pelo mundo afora. Estes longa metragens o fizeram ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais.
Por ocasião dos seus 25 anos de ordenação sacerdotal, Berning recebeu homenagem de um grupo de moradores de rua ligados à Rede Rua do bairro do Brás em São Paulo e ganhou como presente uma cascuda (lata usada para receber comida na rua). Fez deste simbólico presente o cálice utilizado durante a celebração e o guardou como uma relíquia até os dias de hoje.
Dirigiu a Verbo Filmes até 1994, ano em que se mudou para a Alemanha. Após mais de trinta anos de caminhada religiosa tomou a decisão de continuar seu projeto de vida constituindo uma familia e transferindo-se para a cidade de Munster, na Alemanha. Ali, sem os mesmos recursos materiais e financeiros, mas com o apoio da esposa Briggite Schulte, de amigos e mais tarde dos dois filhos Franz e Paul, montou um pequeno estúdio, onde continuou dando voz à Igreja do Pobres e ao espirito conciliar e traduzindo muitos dos vídeos produzidos no Brasil à língua alemã, para tornar mais conhecida e viva a caminhada da Igreja na América Latina. Foi um dos grandes promotores do Pacto das Catacumbas para os países de língua alemã.
Tive a alegria de visitar varias vezes a Konrad e sua familia. As visitas à sua pequena Nazaré sempre me fizeram recordar os versos da canção de Roberto Carlos: “O seu coração é uma casa de portas abertas…” Em seu estúdio (que às vezes também servia de dormitório aos visitantes), num pequeno paraíso ecológico nos arredores de Munster ele e sua familia sempre recebiam de braços abertos e cheios de alegria as visitas de pessoas simples e também inúmeras e importantes figuras do episcopado, da vida religiosa e do laicato comprometido com as causas do reino. Dentre eles cito apenas D. Luciano Mendes de Almeida e a atual presidente da CRB Ir. Maria Inês Ribeiro, conhecida e amiga Konrad há muitos anos.
Da sua personalidade destaca-se o jeito simples e amigo, o imenso amor aos pobres e suas causas, a capacidade intelectual e o amor profundo por uma igreja ancorada no Evangelho e no espirito do Concilio Ecumênico Vaticano II. Os sonhos de Konrad Berning continuam vivos nos projetos desenvolvidos pela Verbo Filmes no Brasil e nas inúmeras produções que ele realizou nos últimos anos na Alemanha.
Estou certo de que ele acompanhou com o coração cheio de alegria e gratidão as reflexões e deliberações do Sínodo para a Amazônia que será concluído amanhã em Roma. Certamente convidará tantos que já nos precederam a um encontro festivo de ação de graças no céu. Talvez não seja por acaso que tenha decidido partir às vésperas das conclusões do sínodo para Amazônia que deu destaque aos povos indígenas, ribeirinhos e à ecologia, causas que ele tanto amou e defendeu ao longo da vida. Que ele se junte à multidão de santos que o precederam para continuar nos animando a seguir em frente lutando pelas causas inegociáveis do Reino de Deus em tempos aparentemente tão sombrios. Obrigado Konrad por tua vida e testemunho missionário!
Arlindo Pereira Dias, svd