Em meio a uma sociedade em crise e em um mundo que parece ter perdido o rumo, a celebração da Páscoa pode ser um convite de renovação de vida para quem crê e para toda pessoa de boa vontade. Para muitos, falar em mudanças parece uma utopia distante e inalcançável. Outros a aceitam individualmente, mas não no plano social. Para quem se liga à tradição judaica e cristã, a celebração da Páscoa confirma que outro mundo é possível.
Na Páscoa, as comunidades judaicas recordam a narração bíblica da saída dos hebreus do Egito. Conduzidos por Deus, eles veem o mar se abrir para ser caminho de libertação dos oprimidos. Até hoje, a cada ano, os judeus celebram a Páscoa para incorporar-se ao mesmo projeto libertador de Deus e proclamam ao mundo que toda pessoa humana nasceu para ser livre e libertadora. As comunidades cristãs retomam essa memória da libertação e a ligam à Páscoa de Jesus. Jesus atualizou a Páscoa ao doar a sua vida. Através da sua morte e ressurreição, ele reparte conosco o Espírito de amor que recebeu do Pai.
Os relatos sobre a Páscoa dos hebreus e os textos evangélicos sobre a ressurreição de Jesus são parábolas de um mistério de amor. Revelam que a vida vence a morte e o amor é mais forte do que o mundo.
Crer que Deus ressuscitou Jesus é testemunhar que o Cristo não é somente um personagem da história. Ele está presente hoje em nós e para nós. Seu Espírito nos faz viver da própria vida divina e se torna em nós força de amor e fonte de alegria, mesmo no meio das dores. Sem dúvida, nossas contradições interiores, medos e dificuldades não se dissolverão de repente. No entanto, mesmo no meio das maiores tormentas, recebemos a graça da paz interior e da alegria. Essa alegria renova a confiança na vida e nos confirma que o individualismo é uma doença que atinge a sociedade dominante e precisa ser superada. Se o Espírito Divino atua em nós, nos tornamos pessoas de comunhão. Passamos de uma forma de amar egocêntrica para outro jeito que continua limitado, porque é humano, mas testemunha que amar é viver o mistério divino em nós e refaz em cada pessoa o milagre da criação. O amor divino nos faz viver como irmãos e irmãs na grande família humana que, junto com todos os seres vivos, faz parte da comunidade da vida. Aprofundar esse caminho é marchar na contramão do sistema dominante e, junto com todos os que sofrem, lutarmos por um novo mundo possível. Isso significa que, concretamente, para retomarmos o espírito original da Páscoa e o conteúdo da caminhada eclesial, precisamos refazer a dimensão socialista da fé bíblica.
Esse programa pascal, tanto em sua dimensão individual, como social, pode parecer ilusão. É o risco de toda pessoa que ama. Um fracasso na relação pode deixar a impressão de que o amor não existe e a vida não vale a pena. No entanto, quem desiste do amor se torna descrente. Não crer no amor é o verdadeiro ateísmo. Assumir os problemas e insucessos, no plano afetivo e também social, como sofrimentos pascais nos ajuda a ver que o amor é possível e transfigura o quotidiano. Mesmo frágil e misterioso, pode amadurecer para uma forma de amor mais generosa e com gosto de ressurreição. É o que faz com que, ao longo da história e nos mais diferentes continentes, inumeráveis pessoas continuem a ter a coragem de sair em plena noite para testemunhar esse amor mais forte do que a morte. Toda caminhada pela vida, pela liberdade e pela justiça é como a daquelas mulheres, amigas de Jesus que, na madrugada do domingo da ressurreição, corriam ao túmulo vazio. Aparentemente, estavam à margem do “realismo” da história. No entanto, enquanto caminhavam por estradas sombrias, seus passos atraíram a luz que dissipa as trevas e elas foram as primeiras a viver aquele “primeiro dia da semana”, início de uma história nova. Em cada celebração da Páscoa, revivemos essa experiência das primeiras testemunhas da fé. Façamos, então, uma espécie de agenda pascal – o que sentimos que deve mudar em nossa vida, tanto no plano interior dos pensamentos e sentimentos, como no plano das relações e da vida social. Alimentamo-nos de esperança e proclamamos que, como dizia Dom Helder Camara, “há mil razões para viver”.
Marcelo Barros é monge