Hoje pela manhã “tropecei” com um pássaro,
talvez um vizinho do qual nem me tenha dado conta;
aliás, nem o vi, apenas senti sua voz solitária e comovente.
Não sei seu nome, nem espécie, sou analfabeto no mundo das aves,
mas o impacto secreto e enigmático de seu “bom dia”
me deteve hipnotizado por alguns passos.
Fiel e pontual, o sol mal havia iniciado seu percurso diurno,
dissipando as sombras e despertando o semblante sonolento da noite:
como diz Homero, “os dedos róseos da aurora ” acariciavam pessoas e coisas,
repintando a natureza com cores e encantos sempre novos,
refletindo pingps de luz nas gotas de orvalho.
O que me impressionou, porém, foi o canto do pássaro desconhecido:
único, insistente, sem reposta – misto doído de lamento e saudade;
teria perdido a direção da casa, a companheira ou os filhotes?
alguém ou alguma coisa os teria incomodado?
De qualquer forma, alheio e indiferente à manhã cheia de luz,
ou justamente fazendo parte de sua liturgia celebrativa,
a ave solitária seguia tenazmente, teimosamente seu gorgeio.
A presença do pássaro desconhecido ocupou minha alma;
não faltaram perguntas e dúvidas, memórias e interrogações:
estaria ele cultivando um ritual fúnebre de perda e solidão,
ou festejando à sua maneira e em sua linguagem
as roupas novas que estreava o novo dia,
ou as piruetas e jogos das crianças a caminho da escola?
Ao redor, flores de todos os tipos revestiam o auge da primavera;
de tão adundantes, viçosas e belas, as pétalas se estiam pelo chão.
O céu de um azul inusitado tudo abraçava com seu manto;
o verde de plantas e árvores distribuia sombra e luz por toda parte:
cobria parques e praças, ruas e caçcadas, telhados e colinas…
A festa matutina prosseguia vigorosa e robusta:
e, com ela, o canto triste-lacrimoso-festivo-mágico do pássaro;
no ar pairava misterioso o encanto do cotidiano e da vida:
docemente amarga ou amargamente doce?
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 8 de junho de 2016