As migrações sempre foram um fator de expansão, tanto em termos de espaço territorial quanto em termos culturais. Abrem fronteiras, ampliam zonas povoadas, cruzam e recruzam a terra, o ar e os oceanos, criam e recriam novas civilizações. De algumas décadas aos tempos de hoje, entretanto, três aspectos combinados entre si acrescem o que se podería chamar de “redescobrimento territorial e cultural” dos deslocamentos humanos. O primeiro deles é que tais descolamentos massivos adquiriram um caráter sempre mais global e estrutural. Todos os países do planeta, praticamente, encontram-se envolvidos nesse vaivém, interminável e ininterrupto, seja como lugares de origem, de destino, ou de passagem – para não falar das três coisas simultaneamente. Novos costumes, novas línguas, novas moedas, novas expressões culturais e novos modos de pensar entram a fazer parte do chamado fenômeno da mobilidade humana. Disso resulta a necessidade de pensar o “direito de ir e vir” dos povos em termos de relações internacionais e de políticas tão amplas e globais quanto o são as trajetórias traçadas pelos migrantes.
O segundo aspecto, ao mesmo tempo, decorre e contrasta com o anterior. De fato, se é verdade que de um lado os deslocamentos migratórios se globalizaram de forma ampla e profundamente estrutural, de outro é igualmente certo que, desde um ponto de vista local ou regional, semelhantes movimentos de massa levam governos, instituições e organizações não governamentais a pensar novas estratégias para acolher, frear ou, pura e simplesmente, rechaçar os migrantes, prófugos ou refugiados. Estes, de alguma forma, ao mesmo tempo que redesenham o mapa mundial do fenômeno migratório, fazer mudar cotidianamente as fronteiras e as leis. Estas se tornam descontextualizadas e aquelas fluídas. Para usar uma metáfora comercial, enquanto, no atacado, as migrações revelam seu lado mundial e estrutural, seguindo a maré da economia, no varejo, trazem problemas concretos que requerem soluções igualmente concretas, ligadas ao poder municipal. Numa palavra, além de exigir uma estratégia planetária de ação conjunta, exigem simultaneamente políticas migratórias muito pontuais, precisas e específicas. A um só tempo, provocam mudanças de ordem global e local.
O terceiro aspecto tem a ver com o tipo de deslocamento atualmente predominante. Se no final do século XIX e início do século XX, por exemplo, milhões de pessoas deixaram o velho continente europeu, o fizeram em forma geral para estabelecer-se definitivamente em outros territórios: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Brasil, Argentina, Nova Zelândia, África do Sul – ou até mesmo em outro país da mesma Europa, como os portugueses e os italianos, para citar apenas esses dois casos. Em outros termos, o deslocamento massivo tinha uma origem e um destino mais ou menos determinados. Podiam evidentemente sofrer mudanças ao longo do processo, mas este tinha um barômetro.
Hoje em dia, as migrações se caracterizam sobretudo como um vaivém complexo: quanto aos números, quanto ao mapa que desenham e quanto à pluralidade do fenômeno. Quanto aos números, porque cresce cada vez mais a quantidade de pessoas que se sentem forçadas a deixar o próprio país, pressionadas seja pela pobreza e falta de oportunidades, seja pela violência, a perseguição ou os conflitos armados. Quanto ao mapa, porque normalmente não há um destino pré-estabelecido, ainda que se possam identificar alguns países centrais como pontos privilegiados de referência. Em boa parte das “viagens”, porém, não raro é o própiro acaso e as circunstâncias do percurso que ditam e traçam improvisamente os mais diversos destinos, sempre no plural e às vezes desconhecidos. Não há barômetro pré-fixado, não se trata de uma viagem de etapa única ou voo só de ida. Está em jogo uma série de intentos para alcançar os lugares onde as oportunidades de trabalho e futuro parecem mais promissoras. Daí a pressão sobre as fronteiras territoriais. Quanto à pluralidade do fenômeno, porque, como já vimos, novos rostos, novos grupos e novos povos entram em cena. Mas não é só isso: também as direções e os trajetos se multiplicam e podem mudar continuamente.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, Roma, 7 de junho de 2016