Nos ambientes católicos, 04 de agosto se firmou como “o dia do padre”. Parabenizamos os padres que conhecemos e agradecemos a Deus o fato de nos dar bons padres. O papa Francisco nos convida a aprofundarmos que tipo de padre e pastor Deus deseja hoje para as Igrejas. A vocação do padre é sempre a mesma e uma só, mas o modo de exercê-la tem mudado muito através dos tempos. Hoje, precisa se renovar para que a sua missão atinja verdadeiramente a humanidade.
Nos primeiros séculos, a Igreja era uma confederação de Igrejas locais autônomas. Depois se tornou instituição centralizada sob a autoridade do papa, em Roma, dos bispos em cada diocese e dos padres nas paróquias. Esse tipo de organização expressa um modelo de Igreja que, comumente, se chama de “Igreja Cristandade”, ou seja, uma Igreja que faz parte da organização do poder do mundo e se torna uma espécie de religião civil. Atualmente, na busca de se inserir no mundo como testemunha do projeto divino para a humanidade, o modo da Igreja ser começa a mudar e o ministério dos padres também.
O 04 de agosto se tornou “dia dos padres”, porque nesse dia, a Igreja faz memória de São João Maria Vianney, cura de Ars. Ele viveu na França do século XIX e foi canonizado por Pio XI (1925). Era um lavrador que conseguiu ser padre, apesar de não ter jeito para estudos. Foi pároco de uma aldeia do interior e exemplo de santidade para todos. Praticava uma vida de oração e de renúncia. No seu trabalho de padre, privilegiava o ministério de confessor. Conforme sua biografia, às vezes, chegava a passar, 15 horas, em seguida, no confessionário e ouvia pessoas que vinham de todo o país, atraídas por sua fama de santo e bom conselheiro. Por isso, desde 1929, o papa o tornou padroeiro dos párocos e sacerdotes encarregados do que, na época, se chamava “cura das almas”.
De fato, São João Vianney foi excelente pároco para o modelo de Igreja do seu tempo. Nos tempos atuais, continuamos a admirar a vida de oração e o exemplo do santo Cura de Ars, mas precisamos que Deus que nos inspire um novo modo de ser padre.
Há mais de 50 anos, em 1968, reunidos na 2a conferência geral do episcopado latino-americano em Medellín (Colômbia), os bispos católicos já afirmavam: “As grandes mudanças no mundo e na América Latina afetam obrigatoriamente os padres no exercício do seu ministério e em suas vidas” (Medellín 11, 1). “A consagração do sacramento da Ordem situa o padre no mundo a serviço da humanidade. (…) Isso exige de todo sacerdote especial solidariedade no serviço à humanidade. O padre deve colocar suas preocupações de padre a serviço do mundo, … em um contato inteligente com a realidade que resulte em um modo especial de presença no mundo e não em uma segregação dele” (Medellín 17, 1 e 3).
Naquela conferência, os bispos afirmaram o que o Concílio já tinha dito: “Os presbíteros (padres) atuam na comunidade como membros específico,s que compartilham com todo o Povo de Deus o mesmo ministério e a mesma missão salvadora” (Medellín 16, 2, citando o decreto do Concílio sobre os padres PO 6). Essa compreensão nova dos ministérios leva a desejarmos e esperarmos um novo modo de ser padre. No Brasil, temos a graça de contar com excelentes padres, que dedicam suas vidas ao povo e revelam fidelidade exemplar à missão recebida. De norte a sul do país, padres mais velhos e jovens são verdadeiras colunas de fé e testemunhas do Cristo no mundo. Esses profetas nos animam na caminhada da vida e da fé. No entanto, por causa do modelo ainda centralizador e monárquico da Igreja Católica, mesmo entre os padres bons e generosos, poucos se sentem com coragem e condições de transformar o modo de exercer o serviço pastoral e, assim, construir junto com todo o povo de Deus, uma Igreja em saída.
Além disso, contrariamente ao modelo de Igreja que o Concílio tentou superar, ainda há outros padres e não são poucos que foram formados em um estilo clerical que os separa do povo e os faz se sentir acima dos simples cristãos. Preocupam-se mais com vestes litúrgicas do que com sua missão social e profética.
Essa inadequação de uma Igreja pouco inserida na realidade tem provocado escândalos, no plano moral e no nível econômico. E mesmo padres sobre os quais não pesa acusação de tipo moral ou de irregularidade econômica, tomam posições autoritárias e apoiam políticos contrários à causa dos pobres. Testemunham um Deus impiedoso e cruel que nada tem a ver com o Deus da Justiça, Misericórdia e Compaixão que Jesus nos ensinou.
Atualmente, o papa Francisco tem denunciado que o Clericalismo é um câncer na Igreja. Se o tumor é canceroso, tem de se extrair o órgão. Só que nesse caso, o clericalismo não é um abuso ou desvio ocasional do sistema eclesiástico. É o próprio sistema que divide os cristãos em duas classes: clérigos e leigos, ordenados e não ordenados. Isso, o Concílio Vaticano II não conseguiu transformar (LG 10). Divide os cristãos em duas categorias, como se o clericalismo fosse instituição divina.
Hoje, a Igreja Católica e todas as Igrejas cristãs têm urgência em voltar ao evangelho e reafirmar para si mesmas e para o mundo que, em uma comunidade de discípulos e discípulas de Jesus, só tem uma ordem: a dos batizados/as em Cristo. Dessa devem depender como serviços e funções todos os ministérios dos quais as comunidades precisam. Esses ministérios, inclusive o dos padres, vão surgir e se desenvolver a partir das comunidades. Demos parabéns aos padres, oremos por eles e peçamos a Deus que renove a forma de ser dos ministérios eclesiais e os abra a todos os filhos e filhas de Deus, batizados/as como testemunhas da ressurreição de Jesus.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e biblista, assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. Tem 55 livros publicados, dos quais o mais recente é “Conversa com o evangelho de Marcos”. Belo Horizonte, Ed. Senso, 2018.